Livros Contemporâneos  a-baleia-noturna-do-meu-sertão A baleia noturna do meu sertão, de Emerson Sarmento.

O escritor Emerson Sarmento envolve o leitor enquanto desenvolve a trama de “A baleia noturna do meu sertão”. A obra de gênero teatral/dramático com cinco atos conta uma história baseada numa lenda nordestina, mais precisamente, de um interior do Piauí chamado Valença. A lenda, basicamente, diz que se a Santa for roubada da igreja, uma baleia irá se libertar de um encanto que a prende embaixo da igreja matriz e trará consigo o mar para o sertão.

Irei tentar ser um tanto breve e objetivo nessa apresentação. 

 

Eu fiz questão de ser eu mesmo o autor desse texto já que o livro nasceu de um ímpeto poético individual por alguns motivos. O primeiro deles é que São José do Egito, cidade da poesia, sempre me encanta cada vez que piso lá. Cada ida é um encanto diferente, por exemplo, não é muito raro ao sair pelas ruas de São Zé e se deparar com uma cantoria, com duas crianças tirando um improviso poético. E a partir desse encanto, eis mais um motivo, surgiu a ideia de escrever alguma literatura que trouxesse São José do Egito como um plano de fundo de uma narrativa, e foi a partir de uma conversa com uma amiga, Valéria Fontenele, piauiense, que todo o processo do livro começou a ganhar forma. 

 

Eu e Valéria falávamos das lendas dos nossos estados, eu contava uma de Pernambuco e ela contava uma do Piauí. Quando ela me falou dessa lenda muito psicodélica da Baleia, eu, imediatamente, fiquei muito empolgado e fui buscar mais informações sobre o assunto. Após algumas leituras, eu passei a imaginar como seria essa narrativa, quem seriam os personagens e como seriam. Eu fui criando tudo aos poucos até chegar em um sertão mais próximo da minha ótica e vivência em São José do Egito e, obviamente, não falo aqui apenas do aspecto geográfico, mas a essência do lugar me ajudou bastante na criação. Ao escrever quis deixar meu romantismo pela terra da poesia de lado e focar mais no aspecto humano ao que concerne na personalidade dos personagens. 

 

O livro intitulado A baleia noturna do meu sertão, é uma obra de gênero teatral/dramático com cinco atos e conta uma história baseada numa lenda nordestina, mais precisamente, de um interior do Piauí chamado Valença. A lenda, basicamente, diz que se a Santa for roubada da igreja, uma baleia irá se libertar de um encanto que a prende embaixo da igreja matriz e trará consigo o mar para o sertão. A partir dessa criação muito imaginativa, a narrativa do livro irá transitar entre um debate sobre as crenças e fé sertaneja, a ciência e modo pelo qual se faz política e entre o real e o imaginário. 

 

A estória irá se passar em São José do Egito – PE, como dito antes. O motivo pela escolha foi bem proposital, pois quando pensei em produzir algo sobre essa lenda em um texto para teatro a ideia era ter um Coro, como, por exemplo, o Coro de anciões em Édipo em Colono de Sófocles. No entanto, a ideia era fazer algo mais voltado para a cultura nordestina, como é conhecido, em várias cidades de interiores do Nordeste, sempre há os fofoqueiros da cidade que andam por aí dando informações sobre a vida alheia e o Coro na A baleia noturna do meu sertão vai desempenhar esse papel, ou seja, um Coro de fofoqueiros.

 

E qual a relação disso com São José do Egito? 

 

São José do Egito é considerada a cidade da poesia, como também já foi dito, e o Coro irá “fofocar” em versos em todas as suas falas. No time de personagens teremos Silvia Rosa, filha do delegado Heitor José, cujo personagem tem uma atuação muito importante do decorrer da trama, mas o porquê vou deixar que vocês, leitores, descubram. Bom, voltando, Silvia Rosa é uma personagem surpreendente, pois de início parece ser aquela velha personagem clichê da santinha da cidade, não obstante, Silvia Rosa se aproxima muito mais de uma cristã não idealizada e que está muito mais próxima da humanidade do que da velha imagem de uma mocinha sem nenhum pecado. Há também uma outra mocinha Maria Valéria cujo texto também tenta aproximar muito mais o lado humano do que o lado idealizado. Na verdade, todos os personagens mostram sua fraqueza, suas falhas de caráter, mas ressaltar essas duas personagens traz luz a um debate sobre se um cristão comete ou não pecados. Existe também um personagem interessante que se chama Juquinha Santos, tido como o louco da cidade, mas, às vezes, não sabemos se há mais lucidez nele do que em outros personagens ou se realmente ele é maluco de verdade. Juquinha é a peça chave da obra e justamente por ele ter um caráter paradoxal é que o desfecho da obra fica muito mais interessante. 

 

Algo que é bom ressaltar também é que não há nenhuma informação direta sobre o tempo em que a estória acontece, o leitor poderá construir mais ou menos em que época se passa pela fala dos personagens, não só por marcas lingüísticas, mas também por situações ocorridas, sobretudo, quando as falas são direcionadas ao momento político. No entanto, precisa-se destacar também, a estrutura utilizada para construir a narrativa. O livro parece mais uma “costura”, pois já nos primeiros atos são jogadas algumas informações aleatórias e que possivelmente deixará o leitor curioso, pelo menos assim espero. Na medida em que a trama vai acontecendo aquelas informações sem respostas começam a serem respondidas e tudo passa a se ligar ou costurar no decorrer dos acontecimentos. Portanto, A Baleia noturna do meu sertão é um livro de leitura leve, ora dramática, ora cômica e, por que não, fantástica? Digo que essa obra o que tem de realismo, tem de fantástico. 

 

O Autor

Livros Contemporâneos  foto-de-divulgação2-169x300 A baleia noturna do meu sertão, de Emerson Sarmento.

Emerson Sarmento

Natural de Recife, o poeta e Cantautor Emerson Sarmento ganhou, com a música, o Festival de Música Carnavalesca do Recife, época em que marcou presença no FIG e em outros festivais locais. Com a poesia, escreveu dois livros: Perfume do Sangue (Moinhos de vento, 2012), lido por Paulinho da Viola e Cromossonhos (Penalux, 2016), este último chegando a ser lido e elogiado por artistas como Roger Moreira, Danilo Gentili, Nana Caymmi e Xico Sá. Além do mais, concorreu ao Festival Recitata e ao Prêmio Sesc de Literatura. Também foi publicado elas revistas: Conexão Literatura, Mallarmargens e Germina. Em 2017 participou do Projeto Pasárgada Doc. pela SECULT – PE e da Bienal Internacional do livro em PE.

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Por meio de diálogos rápidos e bem-humorados, mas também de um enredo elaborado que desnuda a própria complexidade a conta-gotas, Sarmento nos oferece uma visão singular do que se convencionou chamar de sertão, mas que é algo inapreensível por rótulos — essa alma áspera do interior de um país que não se deixa domar pelas instituições. [✒️ por André Cáceres]