Antologia 26 Poetas Hoje: reunião da Poesia Marginal

Num período de censura e marcado pelo academicismo, a juventude carioca reinventou a poesia e suas formas de circulação através de livretos mimeografados. Estes textos foram reunidos por Heloísa Buarque de Hollanda na Antologia 26 Poetas Hoje, considerada o registro mais importante daquela geração de poetas.

A antologia 26 Poetas Hoje, foi organizada por Heloisa Buarque de Hollanda e lançada em 1976. 
 
Nela se encontra a chamada “poesia marginal dos anos 70”, poesia que começou a se desenvolver no auge da ditadura através de textos mimeografados, zines e livretos com circulação nos bares frequentados pela juventude carioca.  
 
A Academia Brasileira de Letras não conseguia ver nada além de um simples valor “sociológico” naqueles versos “sujos” e “pornográficos” produzidos por ilustres desconhecidos. 

O termo “marginal” foi cunhado pela própria Heloisa, organizadora da antologia, e remete à dificuldade dos novos escritores em emplacar suas obras nas editoras de grande porte. Além disso, “marginal” era aquele que traduzia em versos de postura anti-intelectual os problemas do seu cotidiano, revelando sintonia com as mudanças políticas e comportamentais por que passava o país. O momento era de repressão e censura impostas pelo governo militar, mas também se caracterizava pela assimilação da cultura pop, que o tropicalismo de Caetano Veloso e Gilberto Gil ajudou a introduzir. 

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A “geração do mimeógrafo”, publicada em 26 Poetas Hoje, conseguiu abrir as portas do mercado editorial para a maioria dos que participaram da antologia, que alcançou um expressivo sucesso de vendas quando lançada. 
 
O discurso desses poetas era munido de cinismo, despretensão, coloquialismo e pessoalidade, como se o poeta fosse um amigo muito íntimo do leitor. Essas características, aparentemente gratuitas, eram peças fundamentais na construção da sua linguagem.
 
 
Nessa poesia, a influência de grandes poetas brasileiros e estrangeiros, tais quais Manuel Bandeira e Baudelaire, não aparecia necessariamente em sua forma poética. Essa influência podia ser encontrada através de frases e trechos de outros poemas ou, até mesmo, de nomes desses poetas “colados” entre os versos – como uma espécie de mural. 
GRUPO ESCOLAR
(Antonio Carlos de Brito) 
 
Sonhei com um general de ombros largos  
que fedia 
 e que no sonho me apontava a poesia  
enquanto um pássaro pensava suas penas 
 e já sem resistência resistia.  
O general acordou e eu que sonhava  
face a face deslizei à dura via  
vi seus olhos que tremiam, ombros largos,  
vi seu queixo modelado a esquadria  
vi que o tempo galopando evaporava  
(deu pra ver qual a sua dinastia)  
mas em tempo fixei no firmamento  
esta imagem que rebenta em ponta fria:  
poesia, esta química perversa,  
este arco que desvela e me repõe  
nestes tempos de alquimia. 
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TEMPO: SAÍDA & ENTRADA
(ANTONIO CARLOS SECCHIN) 
 
No tempo de minha avó,  
meu feijão era mais sério.  
Havia um ou dois óculos 
 me espiando atrás  
de molduras roídas. 
 Mas eu era feliz,  
dentro da criança  
o outono dançava 
 enquanto pulgas vadias dividiam  
os óculos. 
 
Dentro da criança,  
as pulgas espiavam  
o outono vazio,  
dividiam minhas molduras  
roídas por óculos vadios.  
No tempo de meu feijão  
minha avó era mais séria

Heloísa Buarque de Hollanda fala um pouco da poesia marginal e do contexto em que produziu a coletânea de poetas reunidos na Antologia 26 Poetas Hoje

CONFEITARIA MARSEILLAISE – DOCES E ROCAMBOLES 
Wally (Sailormoon) Salomão 
 
Caçadas 
 Experimentados no manejo de armas de fogo 3 filhotes  
infantes da burguesia empunham arma/ 1 empunha  
revólver/ 2 empunham espingardas. O aéreo esmaga folhas  
de eucalipto de encontro ao nariz enquanto de noite  
sonhei com um batalhão policial me exigindo  
identificação/ revistaram a maloca do fundo do meu  
bolso/ mostrei babilaques/ me entreguei descontento  
pero calmamente/ nada foi encontrado que incriminasse 
o detido no boletim de averiguações depois de batido,  
telex pra todas as delegacias.  
Vadiagem. 
MAKE LOVE, NOT BEDS OU É ISSO MESMO
(Torquato Neto)
 
FILHO de Kennedy não quer ser Kennedy  
Deus os faz e os junta.  
Amanhã em Tara eu pensarei nisso.  
Pra o bom entendedor: meia palavra basta?  
É disco que eu gosto?  
Quem vem lá faça o favor de dizer por que é que vem. 
Tem gente dando bandeira a meio pau.  
Ninguém me ama, ninguém me chama, são coisas [do passado (W.S.)  
Quem sabe, sabe, conhece bem: gostoso gostar de alguém?  
Vai começar a era de Aquarius. Prepare seu coração.  
Ou não: dê um pulo do lado de fora.  
Compre: Olhe. Vire. Mexa.  
Você sempre me aparece com a mesma conversa mole.  
Com o mesmo papo furado – só filmo planos gerais.  
Sou feiticeiro de nascença/Trago o meu peito cruzado  
A morte não é vingança/Orgulho não vale nada.  
E atrás dessa reticência  
Nada, ri-go-ro-sa-men-te nada  
Boca calada, moscas voando, e tudo somente enquanto  
Eu deixar. Enquanto eu estiver atento nada me acontecerá.  
Um painel depois do outro e um sorriso de vampiro;  
Eu me viro/como/posso me virar.  
E agora corta essa – só quero saber do que pode dar certo  
Mas hoje tenho muita pressa. Pressa! A gente se vê,  
Na certa. 
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