Nei Lopes, um gigante brasileiro

“— Sei que pode parecer afirmação pretensiosa, mas não é, é constatação: Lima Barreto disse que um dia escreveria a história do negro no Brasil, e de certa forma eu já fiz isso; Machado de Assis, no “Memorial de Aires”, disse que estava para se escrever a história do subúrbio carioca, e eu já fiz também. Não que tivesse tomado essas coisas como missão. Foram a curtição e a vivência desses ambientes que me levaram a isso. Tenho feito tudo com sentimento.”

Nei Lopes em entrevista a Luiz Fernando Vianna em 03/05/2012

Senhora Liberdade

 

Abre as asas sobre mim

Oh! senhora liberdade

Eu fui condenado

Sem merecimento

Por um sentimento

Por uma paixão

Violenta emoção, pois

Amar foi meu delito

Mas foi um sonho tão bonito

Hoje estou no fim

Senhora liberdade

Abre as asas sobre mim

Abre as asas sobre mim

Oh! senhora liberdade

Eu fui condenado

Sem merecimento

Por um sentimento

Por uma paixão

Violenta emoção, pois

Amar foi meu delito

Mas foi um sonho tão bonito

Hoje estou no fim

Senhora liberdade

Abre as asas sobre mim

Não vou passar por inocente

Mas já sofri terrivelmente

Por caridade

Ó liberdade

Abre as asas sobre mim

Por caridade

Ó liberdade

Abre as asas sobre mim

Bre as asas sobre mim

Oh! senhora liberdade

Eu fui condenado

Sem merecimento

Por um sentimento

Por uma paixão

Violenta emoção, pois

Amar foi meu delito

Mas foi um sonho tão bonito

Hoje estou no fim

Senhora liberdade

Abre as asas sobre mim

Não vou passar por inocente

Mas já sofri terrivelmente

Por caridade

Ó liberdade

Abre as asas sobre mim

Por caridade

Ó liberdade

Abre as asas sobre mim

 

Fonte: Musixmatch

Compositores: Nei Lopes / Wilson Serra

Letra de Senhora Liberdade © Warner/chappell Edicoes Musicais Ltda

Samba do Irajá

 

Tenho impressa no meu rosto

e no peito, no lado oposto ao direito, uma saudade

(que saudade)

sensação de na verdade

não ter sido nem metade

daquilo que você sonhou

(que sonhou)

são caminhos, são esquemas

descaminhos e problemas

é o rochedo contra o mar

é isso aí, ê Irajá

meu samba é a única coisa que eu posso te dar

é isso aí, ê Irajá

meu samba é a única coisa que eu posso te dar

saudade

veio à sombra da mangueira

sentou na espreguiçadeira

e pegou no violão

cantou a moda do caranguejo

me estendeu a mão prum beijo

e me deu opinião

(opinião, opinião)

depois tomou um gole de abrideira

foi sumindo na poeira

para nunca mais voltar

é isso aí, ê Irajá

meu samba é a única coisa que eu posso te dar

Escritor, poeta, cantor, compositor e africanista, Nei Lopes é um dos maiores intelectuais negros do Brasil. Sua grande contribuição para a cultura brasileira não ficou confinada a Academia. Parte viva e pulsante da música popular brasileira, possui mais de 350 canções gravadas e vários livros publicados.

Contemporâneos  nei-lopes-escritor-e-sambista-768x403 Nei Lopes, um gigante brasileiro

Carioca do Irajá, Nei Braz Lopes é compositor, cantor, escritor e, devido a sua produção intelectual, é considerado como um dos grandes estudiosos das culturas africanas no Brasil. Filho de Eurydice de Mendonça Lopes, dona de casa, e de Luiz Braz Lopes, pedreiro, nasceu em maio de 1942.

 

Sua formação musical começa na infância, com mãe, que cantava em casa, escuta os sambas de Sinhô. É influenciado pelos tios Alberto (flautista), o padrinho Manuel (violonista) e pelos irmãos Gimbo (trombonista), Zeca (crooner de orquestras de gafieira), Dica (que lhe apresenta discos de Dick Farney e Garoto) e Ernesto (violonista que musicou seus primeiros versos).

 

Bacharel em Direito e Ciências Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ, tem publicada em livro vasta obra toda centrada na temática africana e afro-originada. Entre seus livros publicados contam-se, principalmente os seguintes: A lua triste descamba (romance, Pallas, 2012); Dicionário da hinterlândia carioca (Pallas, 2012); Esta árvore dourada que supomos (romance, Babel Editora, 2011); Dicionário da Antiguidade Africana (Civilização Brasileira, 2011); Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana (Selo Negro, 4ª.ed., 2011); Oiobomé, a Epopéia de Uma Nação (romance, AGIR, 2010); História e Cultura Africana e Afro-brasileira (Barsa-Planeta, Prêmio Jabuti, paradidático, 2009); Mandingas da Mulata Velha na Cidade Nova (romance, Língua Geral, 2009); Vinte contos e uns trocados (Record, 2006); Novo Dicionário Banto do Brasil (Pallas, 2003 [2012]); Partido-alto, samba de bamba (Pallas, 2005).

 

Desde os anos 1970, contabiliza mais de 350 canções gravadas por nomes como Clara Nunes, Beth Carvalho, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Djavan, João Bosco, Zélia Duncan, Dudu Nobre, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho. Em 1980, gravou com Wilson Moreira o LP “A arte negra”, considerado um dos melhores álbuns já lançados no país. A obra tem clássicos do samba como “Senhora liberdade”, “Gotas de veneno”, “Goiabada cascão”, “Candongueiro” e “Samba do Irajá”, em que homenageia o bairro.

 

Compositor e membro da Velha-Guarda da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro e ex-dirigente da Vila Isabel, desde os anos 90 Nei Lopes desafia as fronteiras que separam o samba da chamada MPB, em parcerias com músicos como o maestro Moacir Santos, Ivan Lins, Zé Renato e Fátima Guedes.

 

Em 2001, 250 registros por ele formulados foram incorporados ao “Dicionário Houaiss da língua portuguesa”. É autor da “Enciclopédia brasileira da diáspora africana” (2004) e do “Dicionário da hinterlândia carioca” (2012), termo que remete a localidades isoladas (daí a relacionar palavras referentes ao subúrbio carioca). Publicou romances, contos, crônicas, biografia de Zé Kéti, livros sobre a religiosidade afro-brasileira .

 

Em 2014 lançou Poetnica pela Mórula editora. O livro reúne toda a poesia do autor produzida no período de 1966 a 2013. Nei Lopes teve seus primeiros poemas publicados em jornais na década de 1960 e depois na revista Civilização Brasileira (n. 7, maio de 1966), pela mão do diretor responsável M. Cavalcanti Proença. Na década seguinte, o brasilianista David Brookshaw, então professor da Queen’s University, de Belfast, publicou o texto ‘Quatro poetas negros brasileiros’ na Revista de Estudos Afro-Asiáticos (n. 2, 1978, p. 30-43). Nesse texto, o teórico inglês analisou a produção de Nei Lopes, reunida num volume intitulado ‘Feira Livre’, jamais publicado, comparando-a muito positivamente às de Lino Guedes, Solano Trindade e Eduardo de Oliveira. Entretanto, somente em 1996, Nei Lopes lançou um volume reunindo suas poesias: ‘Incursões sobre a Pele’, publicado pela Artium Editora.

 

Em 2016, foi vencedor do Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira, em duas categorias, incluindo Livro do Ano, com o “Dicionário da história social do samba”, escrito em parceria com Luiz Antonio Simas. De Nei, o historiador destaca o bom humor e a generosidade com os mais novos: “Tem fama diferente, mas é um garoto sapeca. É de Logunedé (orixá filho de Oxum e Oxóssi, metade rio, metade mato). Não guarda conhecimento em gaveta. Não tem pudor de espalhar informação e dividir ideias. Compartilha tudo. Levanta a bola pra gente fazer gol”.



Justiça Gratuita

 

Felicidade passou no vestibular

E agora tá ruim de aturar

Mudou-se pra faculdade de direito

E só fala com a gente de um jeito

Cheio de preliminar (é de amargar)

Casal abriu, ela diz que é divórcio

Parceria é litisconsórcio

Sacanagem é libidinagem e atentado ao pudor

Só fala cheia de subterfúgios

Nego morreu, ela diz que é “de cujos”

Não aguento mais essa felicidade

Doutor defensor

(só mesmo um desembargador)

 

Amigação

Pra ela é concubinato

Vigarice é estelionato

Caduquice de esclerosado é demência senil

Sumiu na poeira

Ela chama de ausente

Não pagou a conta é inadimplente

Ela diz, consultando o código civil

 

Me pediu uma grana

Dizendo que era um contrato de mútuo

Comeu e bebeu, disse que era usufruto

E levou pra casa o meu violão

Meses depois

Que fez este agravo ao meu instrumento

Ela, então, me disse, cheia de argumento

Que o adquiriu por usucapião

(seu defensor, não é mole não!)

 

Felicidade passou no vestibular

E agora tá ruim de aturar

Mudou-se pra faculdade de direito

E só fala com a gente de um jeito

Cheio de preliminar (é de amargar)

 

Casal abriu, ela diz que é divórcio

Parceria é litisconsórcio

Sacanagem é libidinagem e atentado ao pudor

Só fala cheia de subterfúgios

Nego morreu, ela diz que é “de cujos”

Não aguento mais essa felicidade

Doutor defensor

(só mesmo um desembargador)

 

Amigação

Pra ela é concubinato

Vigarice é estelionato

Caduquice de esclerosado é demência senil

Sumiu na poeira

Ela chama de ausente

Não pagou a conta é inadimplente

Ela diz, consultando o código civil

 

Me pediu uma grana

Dizendo que era um contrato de mútuo

Comeu e bebeu, disse que era usufruto

E levou pra casa o meu violão

Meses depois

Que fez este agravo ao meu instrumento

Ela, então, me disse, cheia de argumento

Que o adquiriu por usucapião

(seu defensor, não é mole não!

Tai minha procuração

E o documento que atesta minha humilde condição!

Requeira prontamente meu divórcio e uma pensão!

Se ela não pagar vai cantar samba na prisão…)

Nei Lopes traz canções que o consagraram ao Todas as Bossas

Nei Lopes traz canções que o consagraram ao Todas as Bossas

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Entrevista à Biblioteca Pública do Paraná