HILDA HILST

Poemas aos Homens do nosso tempo

Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.

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Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu

Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.

Hilda Hilst (1930-2004) foi uma ficcionista, cronista, dramaturga e poeta brasileira que produziu mais de quarenta títulos, entre poesia, teatro e ficção, e escreveu por quase 50 anos, recebendo importantes prêmios literários do Brasil. Hilda era culta, de personalidade marcante e temperamento transgressor que ia de encontro aos costumes da época

Fez parte da “Geração de 45” que buscava a reabilitação de regras mais rígidas para a composição do verso, em reação ao prosaico e o supérfluo. Entendiam que as conquistas dos modernistas de 22 deveriam ser abandonadas.
 

Considerada pouco valorizada em sua época, a ponto de, nos anos 1990, anunciar que largaria a literatura séria, pois estava “irritada com o parco alcance de sua escrita”. No posfácio da coletânea Da Poesia (Companhia das Letras), o escritor Victor Heringer afirma que a imagem de uma mulher “meio louca, eremita, arredia, indomesticável” que se criou em volta de Hilda diz mais sobre quem tenta rotulá-la do que sobre ela mesma.

Criadora de textos em que o tempo, o real e o imaginário se fundem, e os personagens mergulham no intenso questionamento dos significados, buscando o encontro do essencial. Hilda retrata sem cessar a frágil e surpreendente condição humana. É considerada uma das maiores escritoras do século XX

 
Depois da morte da autora, seu amigo Mora Fuentes liderou a criação do Instituto Hilda Hilst, que tem como missão principal divulgar a obra de Hilst — são mais de 20 volumes de poesia, dez ficções e oito peças de teatro, que têm servido de inspiração para outras dezenas de obras. O acervo pessoal deixado pela escritora pode ser acessado aqui.

#ProgramaDiferente

A atriz Fernanda Montenegro lê poemas como “Poema aos Homens do Nosso Tempo” e “EGE – Esquadrão Geriátrico de Extermínio” da autora, homenageada na 16ª edição da Flip.   
Assista a um dos pontos altos do evento, neste especial sobre a autora que o #ProgramaDiferente apresenta com exclusividade.
Trecho do filme Palavra (En)cantada
Poema da Hilda Hilst, musicado por Zeca Baleiro e interpretado por Zelia Duncan

Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.