Poemas de Jéssica Iancoski

Jéssica Iancoski é escritora, poeta e artista plástica. Idealizadora do Toma Aí Um Poema – o maior podcast lusófono de declamação de poesias, segundo o Spotify – com mais de 40 mil ouvintes diferentes, ao longo do tempo

ADVÉRBIO

a palavra é avermelhada

talvez carnívora e pouco reflorestada

vale mais extirpada

da terra do âmago

e do ventre esmirrado dos homens

 

a palavra é servida crua e explorada

ao pé de mesas de paubrasília

maracutaia estripada

estrupício estropiado

 

solimões, urucum,

cachaça de jambu

colorau guaraná

buriti pupunha

pirarucu tucunaré

 

a palavra é tinta genocida

e des-mancha facilmente o advérbio

pororocas levantando sangue de verbo

jorrando brasis sem modo,

com intensidade, lugar e tempo

e demasiada negação des-matada,

macunaíma desvairada.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS DO BRASIL E DOS BRASIS

a terra vai se rebelar 

as florestas precisam ficar em pé” 

diz cacique Raoni 

 

carnaval de pandemia 

tem praias cheias, 

vejam fotografias 

 

: tambaba guarita tabatinga 

imbé moreré tupé 

curuípe xangri-lá camburí 

maracajaú taipu embaú 

 

a doença não existe 

afirma turista no litoral sul 

 

é só soja e boi soja e boi 

é só soja e boi 

funai é ruralista 

 

Aruka, último do povo Juma 

morre vítima da pandemia 

em Xingu ação de imunização 

na base Diauarum 

campanha antivacina nas aldeias 

preocupa liderança indígena 

 

turismo cai 

banhistas batem recorde 

trocam blocos por praias lotadas 

evitam máscaras e 

não massacres 

 

“quando a árvore fica em pé, 

faz sombra e fica frio 

faz sombra e fica frio” 

fica frio. 

 

nadar nadar nadar 

e morrer na praia na praia 

e nada e nada 

aglomeração piara 

futuro incerto paira sobre vidas 

e idas à praia à praia 

pegar jacaré genocídio 

presidente de biquíni 

topless 

e morre o índio

NÃO É UM CANTO, É UM LAMENTO

criam boi em terra indígena 

plantam soja em área ilegal 

desmatam até a última pena 

tiram o couro do solo animal 

 

é uma pena é uma pena  

é uma pena, um vendaval, 

um coro, um lamento de aves 

no desmatamento tropical 

 

Ararajuba Arara Arapará  

Japim Japu Juriti-Pupu 

Saurá Suiriri Surucuá 

Udu Urubu Uirapuru 

 

É só soja e boi soja e boi 

É só soja e boi soja e boi 

 

— garimpo ogro é o agro —  

negócios.

PRELÚDIO

Amerindío —  Incêndios 

Genocídio — negócios 

 

Além de rimas, vítimas  

Prelúdio para o fogo. — 

o rogo o rogo o rogo 

 

Ayuru Amary Amapá  

Aguapé Anamí inajá 

Macaúba Maniva Ubá. 

 

é a logo é a logo é a logo 

— garimpo ogro, ogro é  

o agro é o agro é o agro

IBIAPINA

No ibi há Macaba 

Emburi Indaiá 

 

Guirá que pia  

Não é só sabiá 

 

: tem Jacu Macuco 

Maritaca Tangará 

 

vida com mais potira 

se não fosse Ibiapina 

 

é uma pena é uma pena  

a Ibiapina a Ibiapina  

a Ibiapina 

RADICAL

só há terra indígena

tudo é do índio

 

palavras são do índio

terra é do índio

canto é do índio

brasil é do índio

 

ídios- não há

só há índios

 

indioleto indioma

indílios indiovidual

indiolatria indiotipo

 

: tudo é índio-

SOBRE A AUTORA

Prosa e Poesia e Vice Versa  jessica-iancosky-225x300 Poemas de Jéssica Iancoski

Jéssica Iancoski é escritora, poeta e artista plástica. Publicou em várias antologias e revistas, nacionais e internacionais. Teve o poema “Rotina Decadente” reconhecido pela Academia Paranaense de Letras, aos 16 anos de idade. É idealizadora do Toma Aí Um Poema – o maior podcast lusófono de declamação de poesias, segundo o Spotify – com mais de 40 mil ouvintes diferentes, ao longo do tempo. Nasceu em Curitiba em 10 de Fevereiro de 1996. É formada em Letras pela Universidade Federal do Paraná e em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.