CULPA É FIO CONDUTOR NA ESTREIA DE ISHAK COMO CONTISTA
Após seis anos longe das prateleiras, ao menos em carreira solo, o escritor Caco Ishak está de volta com o livro de contos Culpa. Com orelha de Fernanda D’Umbra e prefácio de Bibiana Leme, capa com design do paraense Tiago Trindade sobre arte do santista Kael Kasabian, o livro traz nove contos, nove histórias de temáticas diversas que compartilham um mesmo fio condutor: a culpa. Nas acepções psicológica, social e jurídica.
A carta de um clandestino político a sua camarada, à esquerda em geral; a tragédia de uma brasileira trancada no apartamento com sua avó morta pela Covid-19 em tempos de quarentena; as memórias de um palestino sobre os crimes de guerra praticados por Israel; um indígena torturado por um fazendeiro e seus capatazes por causa de um bucho de boi; a alienação parental contra um pai que se assumiu homossexual após o divórcio; uma menina de rua engravidada por um padre; a vingança de uma gangue do Jurunas contra um jornalista chapa-branca; uma vida impune de acidentes no trânsito causados por um playboy; um publicitário machista e abusivo que decide agenciar mártires da sociedade. Gatilhos por todos os lados.
Personagens de um cotidiano bélico, doloso em sua falta, que teima em não ser esquecido pois simplesmente não há perdão possível. A mensagem é clara: somos todos culpados. Para ficar nas palavras de José Saramago: “Tanto é o que precisamos de lançar culpas a algo distante quando o que nos faltou foi a coragem de encarar o que estava na nossa frente.”
“Eu posso mentir, se vocês preferirem.” Eu adoraria que ele tivesse feito isso, mas o que temos aqui é ficção – a mais pura verdade. Os nove contos estão aqui mesmo. Essa gente cruel e louca está aqui mesmo. Eu estou aqui mesmo. Nas palavras cortantes, nas cenas desoladas, no humor assustador e numa vontade louca de gritar qualquer coisa. Tudo bem, não faremos isso porque vivemos na realidade e a ficção é outro assunto. Aqui não há mentira que nos salve. O autor te sequestra e é impossível sair. Ele faz previsões nefastas num conto escrito em 2016 e aqui estão elas, concretizadas, brilhando em 2021. Como se ele nos dissesse: olha, vai dar tudo errado. E deu. A gente sabe. Até a morte, que sempre foi um grande acontecimento na vida de uma pessoa, virou um compromisso de meio da tarde. Uma vergonha. “Acabou a solidariedade.” O pior é que não é só a taça do mundo, não, tio, a culpa também é nossa. E ela adora habitar as vítimas, porque a culpa não sabe exatamente onde deve ficar. Então ela fica onde dá, onde deixam, onde a colocam. Todo mundo no mesmo incêndio e o desespero completamente à vontade, precisa ver. Era o caso de ficar quieto. Não escrever este livro, não mexer nesse buraco sem precedentes que o autor resolveu cavucar. Mas isso seria um crime, porque não teríamos como viver o domínio absurdo da linguagem que aqui se apresenta. Onde todas as palavras destilam o horror. Um espetáculo da literatura. Enfim alguém resolveu escrever a verdade. E esse alguém se chama Caco Ishak. (Fernanda D’Umbra)
SOBRE O AUTOR
Caco Ishak nasceu em 1981, na cidade de Goiânia, embora tenha sido criado em Belém. Mora em Salinas, litoral do Pará, desde 2019. Escritor, jornalista e tradutor literário, teve textos publicados em veículos como Le Monde Diplomatique, Rolling Stone, Instituto Moreira Salles, entre outros.
Mestre em Epistemologia da Comunicação pela ECA/USP, é autor das compilações de poesia “Dos versos fandangos” (2006) e “Não precisa dizer eu também” (2013), publicadas pela editora 7Letras, e do romance “Eu, cowboy” (2015), publicado pela editora Oito e Meio, além de ter participado como autor convidado de uma dezena de antologias de contos e poesia no Brasil e no exterior. Ainda em 2021, será lançada a coletânea “Bonde cuspindo gente: 400 e poucos anos de prosa”, por ele organizada, reunindo 42 novos escritores da literatura paraense.