ENTREVISTA | A Escrita como a Soma da Forma e do Conteúdo: conheça os processos criativos do escritor Danilo Brandão
Lançado pela Editora Mondru, “Até a Última Gota” (128 pág.), segundo livro do escritor e jornalista paulistano Danilo Brandão, é um mergulho honesto nas profundezas da vida das pessoas ao longo de quatro histórias cruas e autênticas. É metódico e audaz quando expõe a intimidade de seus personagens em casos que remetem ao que o Brasil se tornou nos últimos dez anos, jogando sobre a mesa discussões não apenas atuais, como também pertinentes, perpassando temas como desigualdade social, crise dos refugiados, machismo e transfobia, que se cruzam com questões intimistas como o luto, desejo e rancor. As narrativas que compõem a coletânea se encontram no conflito entre os dramas pessoais de suas protagonistas e os problemas que estão na ordem do dia da sociedade.
Danilo Brandão nasceu em São Paulo, em 1996. Estreou na ficção com o livro de contos Tempos ainda sem nome (Editora Urutau, 2022). Até a última gota (Editora Mondru, 2023) é o seu segundo livro. Já publicou contos e reportagens em diversas revistas, sites e jornais especializados em literatura. Entre eles, Revista Piauí, Revista Gueto, Revista Lavoura, Jornal Relevo, Ruído Manifesto, etc. É formado em Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina e faz mestrado em Literatura pela Universidade Federal de São Paulo. Atualmente vive em São Paulo e trabalha como redator e roteirista.
Confira a entrevista completa com a autora, abaixo:
O que motivou a escrita de “Por um momento, um dia, uma vida ou sei lá o quê…”?
O que eu mais gosto na escrita é justamente o processo de construção do texto. Essa etapa talvez me interesse mais do que o resultado, o livro em si. Tenho, por conta disso, um forte diálogo com as artes plásticas e gosto de estudar os diferentes métodos de criação. Nesse livro em específico, cada um dos quatro contos foram compostos de uma forma diferente. Tem um que parti de uma imagem e escrevi sem nenhuma pausa, um processo de tentativa de mimetizar a escrita automática. Outro que planejei escrever uma página por dia. Sempre partindo de uma frase de um poema, o desafio era tentar unir a partir do fragmentário, deixando frestas para o leitor completar. Em outro parti da leitura de um livro inteiro e tentei dialogar cada capítulo como uma espécie de resposta a afirmações desse livro. E por aí vai. Ou seja, eu tentei planejar justamente os processos. Era esse estudo que me interessava. As diferentes formas de construir um texto literário. Como uma espécie de performance mesmo. Alguns eu consegui. Outros nem tanto. E o que me motivou a fazer esse livro é justamente unir esse meu desejo de sempre estudar os métodos do fazer literário com discutir questões que considero importantes, de grande valor para a contemporaneidade.
Se você pudesse resumir, quais são os principais temas da obra?
Em relação ao conteúdo, o livro se debruça sobre alguns temas muito contemporâneos. Tanto em relação ao social (ao grupo) quanto em relação ao pessoal (individual). Dentro dos contos, tem discussão sobre etarismo, o efeito das redes sociais, solidão, preconceito contra imigrantes no Brasil, transfobia, preconceito religioso, etc.
Por que tratar deles?
Pra mim, literatura é sempre a fórmula forma+conteúdo. E, nesse caso, a ordem dos fatores é importante. Por isso, os temas aparecem porque o forma aceita. Claro, como autor estou inserido em uma sociedade que discute esses temas. É mais fácil encaixá-los em meus textos. Eles aparecem de forma quase natural nas falas dos meus personagens, em suas questões internas. Tudo fica muito natural. Os medos, preconceitos, paradigmas deles são os que escuto por aí. Estão em jogo. E devem ser discutidas.
Quais autores (e autoras) você considera suas referências?
Eu costumo colocar nomes como Ariana Harwicz, André Sant’Anna, Thomas Bernhard Lourenço Mutarelli, Elvira Vigna, Veronica Stigger, Raduan Nassar, Clarice Lispector, Silvana Ocampo, Ricado Piglia e Borges como minhas principais influências. Não exatamente por meus textos estarem sempre em diálogo com esses autores. Mas por serem aqueles que mais me ajudaram a encontrar a minha própria voz. Por eu ter me identificado com os seus projetos. E a minha dicção atual ser o resultado dessas leituras.
Quais obras influenciaram diretamente a produção do livro?
Esse livro tem uma construção curiosa porque cada conto dialoga com uma obra específica. Claro que essa influência/referência aparece escondido nos textos. E em cada um de uma forma. Mas posso citar: Uma arte: as cartas de Elizabeth Bishop, O pai da menina morta (Tiago Ferro), Os cus de judas (António Lobo Antunes) e Testemunho transiente (Juliano Garcia Pessanha). Os quatro contos partem de imagens, versos, vozes que estão dentro desses livros. É uma tentativa de diálogo/resposta.
Como você definiria seu estilo de escrita?
Pessoalmente, eu acredito que a literatura é uma fresta. É uma pequena rachadura pela qual podemos enxergar as questões humanas. Por isso, o que eu mais gosto de fazer é deixar essa fresta aberta. Dar todo o poder para o maior agente da literatura escrever a sua própria história: o leitor. Para isso, eu construo histórias que costumam ser fragmentárias, com frases soltas e curtas. Com descrição ilimitada e que tenha uma certa carga de subjetividade. Acredito que sejam as maiores características da minha escrita.
Como é o seu processo de escrita?
Gosto de construir um processo para cada livro que vou escrever, para cada história. O meu processo é justamente se preocupar com os processos. Estudar novas formas de escrever, partindo de uma fotografia, uma música, um poema. Um frame de um filme. Vale tudo e eu já tentei muitas coisas. Mas nunca será igual a anterior.
Você escreve desde quando? Como começou a escrever?
Eu escrevo de forma sistemática desde os meus 17 anos. Sempre tive um interesse muito grande por histórias. De diferentes formatos. Teatro, desenho, filmes, pintura. Precisei de um tempo para entender qual seria o melhor formato para mim. Qual seria o melhor formato para contar as minhas próprias histórias. Foi quando encontrei a literatura no ensino médio. Senti que teria muita liberdade para criar, visto que tudo que precisamos para fazer literatura é um papel e lápis. Comecei a ler tudo que caia na minha mão. Me interessar cada vez mais pela história da literatura e suas mais diversas vertentes. E assim que entrei na faculdade, comecei a rascunhar meus primeiros contos. Levou um tempo para ficar satisfeito com o primeiro. Mas, desde então, não parei mais de escrever.
Você tem alguma meta diária de escrita?
Justamente por essa mutação de processos que comentei acima, não tenho nenhuma meta diária nem ritual específico. Já tentei muitas coisas. Mas não me preocupo com isso. A literatura está sempre em mim. Todos os dias. Então, não tenho nenhum tipo de receio de ela sumir. Estou sempre montando projetos, mas nem sempre executando novas histórias.
Como foi a sua aproximação com a editora? Como foi o processo de edição?
Eu já sabia do cuidado que a Mondru tem com a identidade visual dos livros. E eu queria muito poder trabalhar esse aspecto em diálogo com os textos nesse segundo livro. Por isso eles estavam no meu radar. Eu entrei por meio de um edital. Eles abriram chamada para autores de todo o Brasil e resolvi arriscar. Deu certo. O processo de edição foi tranquilo. Algumas reuniões para aparar algumas questões do texto e, principalmente, para definir a capa e as artes internas.
Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?
Atualmente, estou no processo de escrita do meu primeiro romance. Ainda está bem embrionário, mas já defini alguns aspectos importantes. E a primeira versão avançada. Além disso, estou no processo de revisão da minha primeira peça de teatro e de um roteiro para um curta-metragem.