A humanidade revelada em breves retratos: escritor e crítico literário paulistano comenta sobre novo livro e novos projetos
Em entrevista, Moacyr conta detalhes de sua carreira, influência, processos de escrita e novos projetos literários.
Moacyr Vergara de Godoy Moreira (@moacyr_godoy_moreira_
Para escrever “Um certo nascer ali”, o autor, que também é crítico literário, conta: “Procurei refletir sobre o que nos faz brasileiros, este ‘certo nascer ali’ que nos define e por outro lado nos condena a uma certa imobilidade, um redemoinho que nos leva mais ao fundo do poço que a algo mais luminoso, na maior parte das circunstâncias”. Sua prosa em “Um certo nascer ali” navega entre a crônica e o relato descritivo, a contação de histórias anedóticas a alguma pitada de reflexão. Manoel Herzog, que assina a orelha do livro., classifica suas histórias como “ fotográficas, instantâneas, que tantas vezes nos dão a oportunidade a nós, leitores, de complementar o gran finale ou mesmo antecipar um preâmbulo onírico”.
Em narrativas híbridas de gênero, como expõe o escritor Ronaldo Cagiano no prefácio, Moacyr oscila em uma “tênue fronteira entre o conto e a crônica, pois habilidoso escultor, o escritor constrói uma tessitura que funde realidade e ficção, cujo resultado culmina numa epifania de linguagem”. A capa e as ilustrações presentes no livro são do artista plástico Enio Squeff, e conversam diretamente com o conteúdo trazido pelo escritor.
Em entrevista, Moacyr conta detalhes de sua carreira, influência, processos de escrita e novos projetos literários.. Além da literatura, o escritor se dedica, desde 2010, à gestão corporativa de saúde, a partir do olhar da saúde e segurança do trabalho.
Confira a entrevista completa com Moacyr Godoy Moreira:
O que motivou a escrita do livro “Um certo nascer ali”? Como foi o processo de escrita?
Escrevo com alguma frequência desde os dezessete anos. Neste volume há textos bastante antigos, convivendo com narrativas escritas ao longo dos últimos anos. Neste trabalho especialmente, procurei refletir sobre o que nos faz brasileiros, este ‘certo nascer’ ali que nos define e por outro lado condena a uma certa imobilidade, um redemoinho que nos leva mais ao fundo do poço que a algo mais luminosos, na maior parte das circunstâncias.
Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam?
As relações com o Brasil , seus cenários e contradições; descrições de personagens que sobrevivem à mais diversas intempéries; mazelas e alegrias que nos caracterizam como cidadão pouco afeitos ao voto e muito pouco educados politicamente: reiteradamente, elegemos figuras que nos ludibriam e perpetuam o abismo da diferença social.
Por que escolher esses temas?
Os anos vividos durante a pandemia, em especial por ser médico da linha de frente, exposto ao cotidiano da morte e do desespero, diante de um governo central omisso e criminosos, exacerbou meu desejo de olhar mais detidamente para nossas contradições. O livro é um convite ao debate – apesar de eu acreditar, infelizmente – que muito pouco será feito em nome da construção de um bem comum. As individualidades prevalecem. A barbárie triunfou – como afirmou o escritor Marçal Aquino, em recente entrevista.
“Nas narrativas que enfeixam essa nova e delicada safra de histórias, sobressai um certo hibridismo de gênero, sendo muitas vezes tênue a fronteira entre o conto e a crônica, pois, habilidoso escultor, o escritor constrói uma tessitura que funde realidade e ficção, cujo resultado culmina numa epifania de linguagem. Mapeando nosso rio existencial, 'Um certo nascer ali' tem como matéria a humanidade que há nas coisas simples e nas histórias comuns, resgata a poesia dos pequenos gestos e acontecimentos, dialoga, em clave drummondiana, com ‘o tempo presente/ os homens presentes/ a vida presente’. Ao realizar singularíssima imersão naquilo que poderia nos passar despercebido no galope dos dias, mas que na ótica singular do autor adquire plenitude e hierarquia, pois referem-se ao que nos é ancestral e profundo, Moacyr projeta seu feixe luminoso para além das circunstâncias, mergulha no insondável, penetra o intangível e captura, à moda de um Saint-Exupéry, o essencial e invisível aos nossos olhos.” — Ronaldo Cagiano
Quais são as suas principais influências literárias?
Autores como Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca e Sérgio Sant’anna, no gênero conto, sempre me guiaram na construção da prosa curta e em especial neste atual volume. Há também textos mais breves e histórias mais cotidianas ou inspiradas em situações biográficas, aproximando os textos da crônica, e de autores como Rubem Braga, Fernando Sabino e de poetas que trabalharam com crônicas na imprensa, exemplos de Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade.
Que livros influenciaram diretamente a obra?
Principalmente a terceira parte, que trata de um Brasil profundo, terrível – por vezes belo – livros de Alberto Mussa, Ana Paula Maia, Miguel Sanches Neto, Marilene Felinto e Marçal Aquino.
Como a bagagem dos livros anteriores que você escreveu ajudou na construção de “Um certo nascer ali”?
Por se tratar de meu quinto livro, o arranjo dos textos deste volume, ao serem organizados em três partes, já foi sendo pensado como livro. É curioso como na cabeça já vai se desenhando a estrutura do volume. E desde meu terceiro livro (“Ruídos urbanos”) queria trabalhar com textos curtos que fossem como ‘retratos’, descrições de cenas retiradas de um todo maior. Acredito na brincadeira de inverter o ditado de que ‘uma imagem vale mais que mil palavras’. Admiro escritores que fazem com que algumas poucas palavras possam valer mais que mil imagens: a descrição, através da palavra, desenhando cenários, esculpindo formas, é para mim algo fascinante.
Você comentou que começou a escrever desde os 17 anos. Como isso aconteceu?
Aos dezessete anos tive um professor de redação, Luiz Eduardo de Carvalho, que num cursinho pré-vestibular nos estimulava a produzir textos narrativos e não nos ater a fórmulas pré-fabricadas para as tais provas tão temidas. Arrisquei um texto narrativo na prova da PUC de Campinas e tirei dez na redação, tendo ficado classificado em segundo lugar de todo o vestibular para medicina daquela instituição. O Edu futuramente seria meu editor na Agência Carta Maior e somos amigos até hoje, ele também autor, tendo lançado nos últimos anos diversos títulos, premiados e variados concursos. Desde a provocação recebida do mestre-amigo, não mais parei. Hoje em dia escrevo diariamente.
E hoje, como é o seu processo de escrita?
Completamente caótico.
Mas você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?
Não. Principalmente para este livro, como os textos são independentes, foram produzidos em momentos e situações diversas. Porém, para o livro que estou escrevendo atualmente, um romance, tenho trabalhado diariamente, tanto na escrita, quanto na pesquisa, de duas a três horas por dia. Acredito que cada projeto demande uma forma diversa de dedicação.
Você pode nos contar um pouco sobre as temáticas e abordagens do seu novo romance?
Meu próximo livro, que seria meu primeiro romance, conta um pouco da história da minha família, dos meus bisavós italianos que atravessaram o Atlântico sem nenhuma ideia do que encontrariam do outro lado, dialogando com personagens do presente. De uma certa forma, a história tem uma ligação com o título do trabalho atual, “Um certo nascer ali”, que foi extraído de um poema de Drummond, que fala justamente do peso da origem: não se pode fugir do lugar em que nascemos, mesmo que se afaste dele de forma sistemática.
Além desse novo livro, ainda em andamento, você tem outros projetos de escrita?
Além do romance, tenho dois novos livros a serem lançados pela Paraquedas (um de contos, chamado “Um mundo de bancos nus” e um com fotos e textos curtos, escritos a partir da imagens, chamado “Luzes da natureza”), e alguns projetos de literatura infantil e juvenil – ainda não tenho livros publicados para este público. Alguns contos estão sendo adaptados para o teatro, em 2023-24 devemos viabilizar as encenações.