Entrevista com Terezinha Malaquias

Escritora e multiartista transforma a densa experiência da pandemia em crônicas, contos e poemas em livro publicado pela Páginas Editora

Lançado na mesma semana em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou o fim a emergência de saúde pública de importância internacional referente a Covid-19, “Banzo e Afetos” (94 págs, Páginas Editora, 2023) traz a densa e dolorosa experiência da pandemia da escritora e multiartista Terezinha Malaquias (@terezinhamalaquias), que reside em Freiburg, na Alemanha, desde 2008.

O termo “banzo”, que dá título ao livro, era o termo com que pessoas escravizadas no Brasil se referiam ao sentimento de falta do seu lugar de origem. Dividido em três partes – crônicas, contos e poemas, respectivamente – a obra traz um interessante arremate entre as questões de cunho pessoal e as de cunho coletivo, ambientada no contexto pandêmico. 

Nascida em Frutal, no interior de Minas Gerais, Malaquias se entende enquanto artista do palco, com um trabalho que perpassa as linguagens da performance, da videoarte, do desenho, da pintura, do bordado, da instalação artística e da escrita criativa. São eixos temáticos comuns, porém, que atravessam sua produção, como as questões relacionadas à mulher, à violência, ao racismo, à ancestralidade e ao cotidiano, amarradas principalmente pela noção de universalidade das experiências.

ENTREVISTA | Terezinha Malaquias e a Escrita como Cura e Ressignificação

O que motivou a escrita de Banzo e Afetos? Como foi o processo de escrita?

O começo da pandemia me fez refletir muito sobre a vida. O processo foi mudando aos poucos. Houveram dias que escrevi todos os dias, em outros dias não conseguia escrever, porque a dor e a preocupação eram grandes demais. Escrevo também como um processo de cura, seja ela individual ou coletiva.

Se você pudesse resumir, quais são os principais temas da obra? E por que tratar deles?
Os temas centrais de Banzo e Afetos são ancestralidade, afeto e vida. Escolhi esses temas porque eles gritavam dentro de mim. Escrevi para dar vida a eles, pari-los para o mundo.

Quais autores (e autoras) você considera suas referências? Quais obras influenciaram diretamente a produção do livro?
Adélia Prado, Conceição Evaristo e Ryane Leão. Nenhum livro me influenciou na escrita de Banzo e Afetos. 

Em Banzo e Afetos, você trabalha com crônicas, contos e poemas. Mesmo assim, sua escrita apresenta uma voz singular. Como você definiria essa voz, ou esse estilo de escrita?
Não gosto de definir a minha escrita. Deixo isso para os críticos e especialistas que nomeiam. A mim me cabe apenas  escrever.

Como é o seu processo de escrita?
Meu processo é não ter processo. Tem dias ou semanas que eu escrevo diariamente. Às vezes, não consigo ter essa disciplina, e penso que está tudo bem também. Amo quando a escrita me acorda no meio da noite. Saio da cama e anoto as ideias principais, ou escrevo o texto pronto. Não tenho meta diária. Deixo o texto livre. Apesar disso, gosto e mantenho o
hábito de meditar antes de me sentar para escrever.

Você escreve desde quando? Como começou a escrever?
Escrevo desde sempre. Comecei aos 11 anos.

Como foi a sua aproximação com a editora? Como foi o processo de edição?
Uma conhecida minha, que também é escritora, me indicou a Páginas Editora. Foi um processo muito bacana. Formamos uma excelente parceria de trabalho, respeito e profissionalismo.

Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?
Estou trabalhando em dois livros infantis. Um que fala sobre morte. O outro escrevi pensando em crianças binacionais, partindo da ideia de que o português é uma língua doce. Relaciono o idioma com os doces populares da nossa cultura.  memórias: emprestadas, ressignificadas e, sobretudo, ficcionalizadas.

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Confira um trecho do livro: 

“Muitas vezes, enquanto estou fazendo o jantar, eu observo da janela da minha cozinha um casal de vizinhos do sétimo andar, e sempre vejo os dois caminhando de mãos dadas. Isso me lembra os meus pais, eles caminharam juntos e de mãos dadas por quase cinquenta e três anos.

Hoje de manhã, bem cedinho, encontrei esses vizinhos no supermercado, que ca a cerca de um quilômetro do nosso prédio; eles empurravam um carrinho de compras. Quando me viram na entrada do estabelecimento, me cumprimentaram sorridentes e festivos. Depois nos encontramos novamente nas bancas de verduras, legumes e frutas. Assim como eu, eles vão e voltam sempre a pé.

Ela tem 88 anos e ele tem 92. Ela é alemã e ele, polonês.”