Tchello d’Barros
Tchello é autor de poemas e poemas visuais que dialogam com o presente e com a memória, verdadeiras pontes entre ícones e intenções, onde a palavra se amplifica sob uma superposição de signos. Adepto da linguagem verbal e cônscio do poder símbólico da abordagem monocromática, o poeta nos brindou com esta entrevista onde fala de sua experiência, processo criativo e influências e de sua visão da arte e seu papel no presente. A matéria conta ainda com poemas e poemas visuais do autor. E é com uma enorme alegria que a Revista Arara espera dividir este privilégio com vocês.
Tchello d’Barros é escritor e artista visual. Dedica-se desde 1993 às linguagens de Literatura, Artes Visuais, Artes Cênicas e Audiovisual. Catarinense nascido em Brunópolis, residiu em 14 cidades no Brasil, tendo produzido sua obra em Blumenau, Maceió, Belém e Rio de Janeiro, onde vive e trabalha após ter percorrido 20 países em constantes atividades culturais. Eventualmente ministra oficinas e palestras, participando também de mesas-redondas, júris, editoriais, curadorias, saraus e diversas atividades culturais no Brasil e exterior.
Os mais de 100 poemas visuais que criei ao longo de duas décadas falam de alguns temas como o tempo, as relações humanas, questões afetivas, política, fé, sexo, cotidiano e a vida em sociedade.
É exatamente o desafio que torna a experiência literária ainda mais instigante, pois tensiona os limites da criação, expande o imaginário do autor e amplia o prazer estético na fruição da obra por parte dos leitores.
A questão é que os moinhos de vento digitais de nossa era levam a mensagem mais rápido, para mais longe e multiplicam-se os Sanchos, Dulcineias, nigromantes e até alguns Rocinantes de ocasião. A era digital não transformou meu trabalho, sigo o aedo de antes da era digital. No máximo valho-me de tais artifícios para partilhar algumas obras alhures, seja em videopoemas, e-books ou disseminação massiva de haicais via redes sociais. Tenho essa felicidade secreta de ter sido pouco contaminado pelos atravessamentos da pós-modernidade e os deslumbres da hora da era digital. Hoje o lume da antiga fogueira são os pixels da tela, dessa tela na qual aí e agora seus olhos encontram estas letrinhas…
T. d’B: Entre tantas funções que se pode atribuir à Poesia, sempre haverá quem argumente que ela não precisa ser panfletária, mas que pode ser engajada, de modo que também já se disse que nenhuma causa jamais salvou um mau poeta. Ainda assim, tivemos Rilke enaltecendo a função do porta-estandarte numa batalha, Maiakowski criando palavras de ordem em protestos confrontando os poderosos de seu tempo e lugar, não esquecendo de Ezra Pound que foi torturado numa jaula militar, ou mesmo Lorca, que foi fuzilado recitando seu clássico poema “A las Cinco de la Tarde”.
A função do poeta ainda é reunir-se com a tribo ao redor da fogueira e dizer algumas palavras que elevem o estado de espírito de seus pares
Tudo que os poetas disseram, argumentaram, bradaram, publicaram, debateram, vociferaram, não impediu as guerras e genocídios do século passado, ainda assim, precisamos lembrar que é por nós que os sinos dobram, como nos avisou John Donne no poema “Nenhum Homem é uma Ilha”.
Pessoalmente, alinho-me à escrita de autores como o paraense Bruno de Menezes, com seu livro “Batuque”, o alagoano Jorge de Lima, com seu “Invenção de Orfeu”, e o sulmatogrossense Manoel de Barros, com sua “Gramática Expositiva do Chão”, obras que talvez não derrotem dragões, talvez não extirpem a maldade do mundo, mas que nos trazem para uma conexão maior com o outro, nos despertam para o exercício da alteridade, nos colocam numa imersão mais densa entre poesia e gente, entre arte e vida.
T. d’B: Não sei se é digno de nota o que este ou aquele rapsodo possa pensar disso, já que é diferente para cada um a experiência do existir na condição de artista das letras, sobretudo numa sociedade alienada em um sistema capitalista num país que pouco lê.
Mário Quintana nos avisava que: “um poeta sofre três vezes: quando ele os sente, depois quando os escreve, e por último quando declamam seus versos”.
O que talvez possamos considerar – e aí importa muito mais a opinião dos leitores – é o quanto possa ser ‘bom’ o conjunto da obra deste ou daquele poeta, o quanto a poética de determinado autor incide na visão de mundo de uma pessoa ou o quanto tal poema ou tal livro terá contribuído para o imaginário de um povo. Além disso, há uma significativa lacuna entre considerar-se poeta e ser considerado poeta. A questão evoca-me nesse instante três poetas do Sul: o paranaense Paulo Leminski, ao ter versificado: “parem / eu confesso / sou poeta”, ao tempo que o catarinense Lindolf Bell nos dizia que “poesia é terrível soerguimento”, enquanto o gaúcho Mário Quintana nos avisava que: “um poeta sofre três vezes: quando ele os sente, depois quando os escreve, e por último quando declamam seus versos”. Por aí pode-se depreender algo sobre as questões internas, subjetivas e intrínsecas de algumas pessoas que se destinam a este estranho e desvalorizado ofício. Por fim, da própria pergunta emerge uma inquietante inquisição: é bem possível que os leitores de poesia que apreciam emocionar-se esteticamente e serem afetados pelo fenômeno poético não estejam tão interessados em saber se é bom ser poeta, mas se o poeta é bom…
LABIRINTÍTESE (poema de Tchello D’barros)