Mário de Andrade

Mário de Andrade foi um dos mais importantes escritores brasileiros. Publicou "Pauliceia Desvairada" o primeiro livro de poemas da primeira fase do Modernismo e Macunaíma. Crítico de arte e integrante do Grupo dos Cinco do modernismo brasileiro sua obra está em domínio público desde 2016.

Ode ao Burguês 
 
Eu insulto o burgês! O burguês-níquel, 
o burguês-burguês! 
A digestão bem feita de São Paulo! 
O homem-curva! o homem-nádegas! 
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, 
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! 
 
Eu insulto as aristocracias cautelosas! 
os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! 
que vivem dentro de muros sem pulos, 
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos 
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês 
e tocam os “Printemps” com as unhas! 
 
Eu insulto o burguês-funesto! 
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! 
Fora os que algarismam os amanhãs! 
Olha a vida dos nossos setembros! 
Fará Sol? Choverá? Arlequinal! 
Mas à chuva dos rosais 
o êxtase fará sempre Sol! 
 
Morte à gordura! 
Morte às adiposidades cerebrais 
Morte ao burguês-mensal! 
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi! 
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano! 
“_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos? 
_ Um colar… _ Conto e quinhentos!!! 
Mas nós morremos de fome!” 
 
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma! 
Oh! purée de batatas morais! 
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! 
Ódio aos temperamentos regulares! 
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia! 
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados! 
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos, 
sempiternamente as mesmices convencionais! 
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! 
Dois a dois! Primeira posição! Marcha! 
Todos para a Central do meu rancor inebriante! 
 
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio! 
Morte ao burguês de giolhos, 
cheirando religião e que não crê em Deus! 
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! 
Ódio fundamento, sem perdão! 
 
Fora! Fu! Fora o bom burguês!… 

Lundu do Escritor Difícil 

Eu sou um escritor difícil 
Que a muita gente enquizila, 
Porém essa culpa é fácil 
De se acabar duma vez: 
É só tirar a cortina 
Que entra luz nesta escurez. 

Cortina de brim caipora, 
Com teia caranguejeira 
E enfeite ruim de caipira, 
Fale fala brasileira 
Que você enxerga bonito 
Tanta luz nesta capoeira 
Tal-e-qual numa gupiara. 

Misturo tudo num saco, 
Mas gaúcho maranhense 
Que pára no Mato Grosso, 
Bate este angu de caroço 
Ver sopa de caruru; 
A vida é mesmo um buraco, 
Bobo é quem não é tatu! 

Eu sou um escritor difícil, 
Porém culpa de quem é!… 
Todo difícil é fácil, 
Abasta a gente saber. 
Bajé, pixé, chué, ôh “xavié” 
De tão fácil virou fóssil, 
O difícil é aprender! 

Virtude de urubutinga 
De enxergar tudo de longe! 
Não carece vestir tanga 
Pra penetrar meu caçanje! 
Você sabe o francês “singe” 
Mas não sabe o que é guariba? 
— Pois é macaco, seu mano, 
Que só sabe o que é da estranja

Sambinha 

Vêm duas costureirinhas pela rua das Palmeiras. 
Afobadas, braços dados, depressinha, 
Bonitas, Senhor! que até dão vontade pros homens da rua. 
As costureirinhas vão explorando perigos… 
Vestido é de seda. 
Roupa-branca é de morim. 

Falando conversas fiadas 
As duas costureirinhas passam por mim. 
– Você vai? 
– Não vou não! 
Parece que a rua parou pra escutá-las. 
Nem os trilhos sapecas 
Jogam mais bondes um pro outro. 
E o sol da tardinha de abril 
Espia entre as pálpebras crespas de duas nuvens. 
As nuvens são vermelhas. 
A tardinha é cor-de-rosa. 

Fiquei querendo bem aquelas duas costureirinhas… 
Fizeram-me peito batendo 
Tão bonitas, tão modernas, tão brasileiras! 
Isto é… 
Uma era ítalo-brasileira. 
Outra era áfrico-brasileira. 
Uma era branca. 
Outra era preta. 

Moça Linda Bem Tratada

Moça linda bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor.

Grã-fino do despudor,
Esporte, ignorância e sexo,
Burro como uma porta:
Um coió.

Mulher gordaça, filó,
De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
Paciência…

Plutocrata sem consciência,
Nada porta, terremoto
Que a porta de pobre arromba:
Uma bomba.

vida e obra

Mário Raul de Morais Andrade nasceu em São Paulo, em 1893.  

Fez os seus primeiros estudos em sua cidade natal, formando-se em piano em 1917 pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Ainda em 1917 estreou na vida literária com o volume de versos na linha parnasiana Há uma gota de sangue em cada poema. Tornou-se crítico de arte em vários jornais e revistas paulistas. 

Em 1922, foi um dos organizadores da Semana de Arte Moderna. Naquele mesmo ano escreveu Paulicéia Desvairada, um dos principais livros do modernismo. 

Integrou o Grupo dos Cinco da Arte Moderna Brasileira, composto por Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. 

O Grupo defendia as ideias da Semana de Arte Moderna, tomou a frente do movimento do modernista no Brasil e foi responsável, junto a outros artistas, pelo referencial ideológico e artístico da Semana de Arte Moderna de 1922, realizada no Teatro Municipal de São Paulo. 

Mário foi o primeiro a usar sistematicamente o verso livre no Brasil. De 1922 a 1945, tornou-se a figura mais completa e representativa das letras brasileiras. Musicista, dirigiu seus estudos para pesquisas de nacionalização da música brasileira. De 1928 a 1929 realizou várias viagens para o interior do país. Dedicou-se às críticas e às pesquisas folclóricas, principalmente musicais. Em 1928 escreveu, Ensaio sobre música brasileira e a rapsódia Macunaíma, herói sem caráter. 

Em 1935, fundou, juntamente com Paulo Duarte, o Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, órgão que exerceria larga influência na democratização da cultura e do qual foi o primeiro diretor. No ano seguinte, Mário e Paulo Duarte elaboraram um projeto de lei que dispunha sobre a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no âmbito do Ministério da Educação e Saúde. Em 1937, criou a Sociedade de Etnografia e Folclore de São Paulo; criou também os primeiros parques infantis e a discoteca pública de São Paulo. Organizou o Congresso de Língua Nacional Cantada, que fixou a pronúncia padrão usada no teatro dramático e no canto do Brasil. 

Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1938, para dirigir o Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal e ocupar a cátedra de história e filosofia da arte. Em 1942, junto com outros intelectuais contrários ao regime ditatorial do Estado Novo, fundou a Associação Brasileira de Escritores (ABRE), entidade que lutou pela redemocratização do país. 

Em 2015, através de um pedido feito pelo jornalista Marcelo Bortoloti, então da Revista Época, via Lei de Acesso à Informação, que a Controladoria-Geral da União determinou que uma carta de Mário de Andrade para Manuel Bandeira deveria ser revelada ao público. 

Desde 1995, a Fundação Casa de Rui Barbosa resistia em divulgá-la porque nela Mário assumia para seu amigo sua homossexualidade. 

A escritora Rachel de Queiroz chegou a comentar a homossexualidade do colega em sua autobiografia, onde confirmou o preconceito que Mário sofria. 

Já o jornalista Jason Tércio, que está escrevendo uma biografia sobre Mário, acredita que, na verdade, o poeta era bissexual, pois tinha uma paixão platônica por Tarsila do Amaral. 

 
Em 1993, Mário de Andrade estampou as notas de 500 mil cruzeiros, um pouco antes da moeda ser extinta. A homenagem traz várias referências ao seu trabalho, incluindo a fotografia “Sombra Minha” e o último verso do poema “Eu sou trezentos”. 

 
Desde o dia 1° de janeiro de 2016, toda a obra de Mário de Andrade passou a ser de domínio público. Isso significa que ela pode ser publicada, copiada, adaptada e reproduzida livremente. Aqui no Brasil, uma obra passa a ser pública a partir do primeiro dia do ano seguinte aos 70 anos da morte do autor. 

Faleceu em São Paulo, em 1945. 

Fonte: FGV\Revista Galileu 

Baixe as obras completas de Mário de Andrade

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