Você é compositor e escritor além de declamar como poucos. A palavra falada e a conversa representam parte importante de sua criação poética? O que lhe inspira e quais as suas referências literárias?
Sem dúvida. Escrevo, na maioria das vezes, como falo e falo, na maioria das vezes, sem técnica. A fala do feirante, do vendedor ambulante, do pastor da igrejinha da quebrada, do pai de santo, do sambista no bar e do bêbado que samba desajeitado, dos adolescentes na praça, do motorista do uber… “O povo é o inventalínguas na malícia da maestria no matreiro Da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia”. A conversa com amigos ou a conversa de desconhecidos no ônibus, na fila do banco, do pão, tudo isso é matéria prima. Cada vez mais busco escrever sem intelectualismo ou requintes estéticos. Busco escrever falar o texto em que qualquer um se reconheça. E tudo me inspira. Uma notícia, um acidente, algo que ouvi ou vi ou que vivi. Geralmente parto do cotidiano. Não me interesso tanto por grandes mistérios e filosofias. Que as sereias cantem as profundezas enquanto o mar me navega. Situações aparentemente banais, muitas vezes, denunciam o absurdo de estar no mundo. Basta estar atento. Apesar disso, não preciso estar inspirado pra escrever ou compor. Escrever me inspira. Quero dizer, às vezes escrevo pra encontrar o entusiasmo que costuma vir com a inspiração. Minhas referências, além dos sempre citados como Drummond, Cabral, Rosa, Hilst, Lispector…, são poetas contemporâneos que não conheço pessoalmente, como Carlos Moreira e Alberto Lins Caldas, e pessoas que tive a sorte de conhecer, de ser amigo. Rani Adriano, Isadora Krieger, Juan Latorre, Beth Brait Alvim, Hudson Santos, Marcelo Torres, Carlos André, Allan Jonnes, Teodoro Balaven, Denisson Palumbo, Thiago Peixoto, Natasha Felix, Heyk Pimenta, Pedro Blanco, Maria Giulia Pinheiro, Lucas Bronzatto, Luiza Romão, Bobby Baq, Carolina Guerra, Michele Santos… Muito do que compus é parceria com essas pessoas. A literatura é solitária. A música me permite entrar em contato com outras vozes e descobrir outras formas de fazer. Aí que mora a mágica.