Poemas
de
Ana Maria Oliveira
Uma poesia repleta de imagens e intencionalidade vem dos versos de Ana Maria Oliveira, nascida no Alto Alentejo no distrito de Portalegre e concelho de Castelo de Vide em 1960. O ritmo e a ambiência dão aos versos um tom incisivo recheado de originalidade em contrapontos e metáforas sensoriais
A gorja profunda da existência
O resvalar no vórtice alucinante da existência
Cria serpentinas feiticeiras na irrequietude das hélices
Pelas trocas múltiplas dos pares dançarinos
Enquanto embaraço o fio que sustém as possibilidades
Corrigindo os códigos suspensos nas fragmentações estelares
Por entre o abrir de bocas nutridas pelo deslizar das improbabilidades
No rodopio do tempo apareço como rasgo de tensão
Balouço cambaleante em gestação equilibrista de profissão
Surjo num arrastar sem pouso nem forma
Membros desnorteados mãos trementes na inconstância da transmutação
Um archote aguardando iluminação sem norma
Fala entaramelada palavra salteada respiração assaltada
Trocadilhos sem coerência pulando em mente agitada
Batuca a convulsão na mensagem incompleta
Testemunho interrompido pela gravidade
Desfalque sem juízo corpo pesado
Cântico improvisado elemento embalado
Alimento de fungos revoltados sem chão nem telhado
Bactéria faminta cegueira indistinta
Amnésia gelada e cruel sem diagnóstico
Raio impreciso amolgando a clorofila
Lançador de sementes recolhendo as boas e as dementes
Caçador de estéticas plâncton flutuante na deriva das embarcações
Foice cortante sobre as bestas periféricas que se alimentam de instigações
No cenário em mudança permaneço o pó do caminho sem direção
Acidez gástrica rinite alérgica refluxo exaustão
Palhaço aprumado submerso na própria indigestão
Negrura
A missiva perde-se num baú enterrado nos confins do cosmos
Enquanto a eternidade vomita uma gargalhada
Esperando sem pressa o desterro da criatura metralhada
A mensagem é agora de toques e afagos abraços e sustentações
Arrastamentos quedas e revoltas interiores
Amarradas ao silêncio imposto pela negrura do intruso instalado
Na florestação incendiada pela malícia do acaso
Pelo enterro dos corpos e cremação dos sonhos onde o ócio nunca entrou
Pois pela vigília e trabalho forçado se impôs
Enquanto a delinquência das estirpes manipuladoras de almas
Corrói os núcleos sobrepondo-se aos brados numa ditadora voz
Apenas o som dos metais e das gargantas articuladas
Provocam metamorfoses de obras de arte
Idealizadas previamente no ventre das deusas
Que dão e tiram o alimento aos renascidos
Num jogo de sobrevivência sem normas hierarquias valorações
Apenas um estouro abrupto inesperado e curto
Se faz visível na sua majestosa iminência
Então a viagem transforma-se num rodopio sem odores sem sabores
Sem tato agarrado ao mundo magnetizado
Pelas sementes da liderança perene
Da ganância de coração ausente e estouvado
Em qualquer lugar somos invadidos pelo cansaço e solidão
Quando o humano se pinta na tela branca do genuíno
Perante a empatia que ergue movimentos melódicos de envolvimento
Com a fala e a escrita que se evaporam em pisado chão
Pelos domadores de elementos em turbilhão
Permanece o bailado frio das rochas denunciando homicídios
Provocados pela indiferença patológica de quem se agarra
A um único tesouro esmigalhando o cântico dos pássaros
O sussurro do mar a melodia das árvores a terra inteira
E o grito abafado dos que nos pedem socorro
Acudindo à existência humana que parece ter sido arquitetada
Na cabeça de algum autor sádico pois lança os dados
E espera que o jogo termine da pior maneira
A emboscada do nascer
A pele amarrotada impõe-se ao respirar de um términus
Que apenas garante a fração de segundo para um sorriso de abalada
Para outros istmos outras ilhas novas barcaças
Num corpo seco e calejado que faz frente às intempéries
E ao ritmo do trovejar ensurdecedor
Deslisa-se no prolongamento dos desvairos e amarguras
Perante os tímpanos furados na repetição dos gritos e gemidos
Pelos abandonados órfãos do genocídio permitido pelos inertes
Que nem pela revolta se levantam
Nem a liberdade louvam
Nem pela bofetada ripostam
Mirram os órgãos na paragem do voo
Pois os parasitas comemoram a festa da sobrevivência
Dando dentadas afiadas no lacrimejar da miopia esfarelada
Aguardando o laser da incógnita entre o florescer e a vida alagada
A língua recolhe-se à míngua de discursos
Pois só o chilreado dos pássaros é sagrado
As mãos desenham o último gesto de socorro na genealogia inflamada
Enquanto os abutres visionam o alimento putrefato
Arrasando o processo de um só ato
É que a pele deixa de ser a fronteira do corpo
Para se esbater na brisa húmida do oceano
Imiscuir-se nos odores do alto das serranias
Ultrapassar o chão e flutuar num aparente paradoxo
Apenas existente no cérebro do bicho racional
Como se tivesse por passatempo um manicómio virtual
A armadilha do nascer perpetua-se no cadeado enferrujado
Do aprisionar oxidado pelas mandíbulas do corruptível
Onde o pânico do desconhecido cria recreações desencaminhadas
Por entre foles de encher balões fantasiosos e calamidades vazar
Numa pura engrenagem endoudecida pelo ficar estático ou no vazio saltar
Sobre a autora
Ana Maria Rodrigues Oliveira nasceu a 17 de Fevereiro de 1960, em Portugal, no Alto Alentejo no distrito de Portalegre e concelho de Castelo de Vide.
Antes de completar um ano de idade veio com os pais viver para a zona de Cascais e aí tem vivido desde então.
Quando jovem teve como passatempos o desenho, em que se esquecia do tempo a elaborar retratos de pessoas. Mais tarde experimenta as tintas a óleo e o acrílico. Distribui as obras aos amigos.
Desde a infância tem gosto pela escrita, exercitada pelo diário que manteve desde os treze anos até aos dezenove.
Introspetiva, analítica e crítica, cedo deixou de escrever sobre os acontecimentos para salientar os pensamentos e os estados de alma que certos problemas existenciais provocam.
Adorava inventar histórias e colocar a interagir personagens da sua imaginação. Era uma estratégia para se ausentar de um mundo parado, rotineiro e repleto de regras, que aos poucos a fizeram perceber que poderiam ser castradoras de um pensamento livre.
Em 1986 finalizou a licenciatura em Filosofia na Faculdade de Ciências sociais e humanas de Lisboa. Licenciatura que lhe permitiu dar aulas de filosofia durante alguns anos.
Na década de noventa ausenta-se da zona de Cascais por duas vezes vivendo dois anos em S. Miguel nos Açores onde continuou a lecionar, o que fazia já em Portugal continental. Viveu mais dois anos em Vendas novas.
Edita o seu primeiro livro de poesia em 2008 através da Corpos Editora “Grito de liberdade”.
Este livro é uma forma de partilhar emoções e vivências, encarando a poesia como uma catarse. Dedica este livro a todas as mulheres, pela luta e determinação com que enfrentam as adversidades de uma sociedade que ainda manipula e escraviza.
Ainda no mesmo ano participa em duas coletâneas: Uma de Prosa e Poesia “A arte pela escrita” da editora Escritartes e a outra, “Poemas sem fronteiras” “Ora, vejamos…2008” Editora LULU de Leiria que faz uma recolha impressionante da poesia contemporânea. Nesta última Ana Maria Oliveira obtém o prémio da Menção honrosa com o seu poema “Farsa”.
Faz uma edição de autor “Espírito Guerreiro” seu segundo livro de poesia, em 2014.
Ultimamente mantem-se ligada ao projeto “Filosofia para crianças”.