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Poemas de  Gonzalo Dávila Bolliger

Poemas de Gonzalo Dávila Bolliger

Gonzalo Dávila Bolliger nasceu em 1989 em Lima, Peru, e se mudou para o Brasil em 1994 com os pais. Estudou Letras na USP. Os 5 poemas que seguem fazem parte dos livros A Melancolia (editora Piraputanga) e Rumo ao Âmago da Própria Voz (editora Autografia).

Os apocalipses solitários

Todo suicídio não é mais
Do que um assassinato tecido a várias mãos.


As cidades e os homens de negócio
Os países e as modelos planetárias
Olham da janela o céu imperturbável
E não percebem o grande apocalipse
Do velho que não dorme e do menino
Que pinta a sua noite em seu olhar…


E o que acontece é o seguinte:
Por muitos anos e noites mal dormidas
Engenheiros trataram de alfinetar o boneco
Até que este se alimentasse do seu sangue
E cometesse Harakiri.


A frieza dos metrôs
A mãe que caiu do mais alto arranha-céu
As meninas que a ridicularizavam por ser gorda
Fizeram que Amanda
Jogasse o seu corpo para dentro
E se ajoelhasse
No fundo do mar.
Já Carlos
Lembrou dos olhos que o batiam
Do pai que se arrependia de tê-lo gerado
Da esquizofrenia dada de presente ao nascer
E então ligou o gás
E esperou que a cozinha
Se convertesse no inferno…


Não, nunca esqueça:


Todo suicídio não é mais
Do que um apocalipse solitário
Cavado pelas mãos dos assassinos.

(Do livro A Melancolia, editora Piraputanga)

Sempre me deixaram triste coisas simples:
A extinção do tigre do Cáspio
A destruição do reino de Mali
O desaparecimento dos bisões das planícies
A morte da mãe do Bambi
A beleza da névoa que se junta com o mar
O debater-se de uma formiga no deserto,
Os aniversários que chegam sem pedir licença,
A mudança, eterna, dos móveis,
A lembrança de uma namorada enquanto dorme,
Tudo, tudo o que já foi belo e nos sussurra:
A extinção da infância
A destruição dos dias
A dissolução dos afetos
O desaparecimento dos pais
A morte
A morte e a derrota,
A derrota apenas
Por sermos frágeis criaturas,
E o sofrimento que invisível se espalha
Por todas essas coisas,
Nada simples.

 

(Do livro A Melancolia, editora Piraputanga)

Neste livro tentei capturar a melancolia em vários dos seus sentidos, desde a melancolia perante a passagem do tempo, a infância, a perda do amor e a morte, até aquela derivada de problemas sociais e elementos do cotidiano. Assim como no meu livro Rumo ao Âmago da Própria Voz, organizei os poemas para serem lidos em sequência, quase como se fossem um único. E recursos como a duplicação de vogais (por exemplo em “especiaais”, na página 101) foram intencionais, em geral por razões de ritmo. E também intencionais os diversos tamanhos e fontes de letras. Uma boa leitura a todos e espero que sintam cada um dos mares onde nos afogamos.

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Desperto-me. A cidade é azul.
Caminho entre a névoa que se originou dos meus sonhos,
Os anjos decaídos em arranha-céus se penduram,
Gigantescos bonecos da minha infância remota
Compartilham com eles a brancura dos prédios.


O mundo sempre foi grande demais para mim…


O mar está longe. Apenas
Há o ruído de automóveis, o farfalhar
De enormes pássaros metálicos, a vinda
De esquálidas alegorias que o deserto sobrevoam,
De carnavalescas máscaras de plástico
Que dançam,
Sedentas,
     Por encontrarem sua sombra…


Estou só. Sobre mim
Há apenas o peso de um universo sem estrelas
E atrás das montanhas, como uma miragem, no horizonte
Um infinito TTTTTTTT T T T T T T T T TTTTTTTTTT
Atravessa o meu corpo e rompe minha alma
Em violetas fagulhas de estátuas
PELO MAR DESTRUÍDAS.


(Quando eu era mais jovem tive um sonho
Em uma noite fria como os ponteiros de um relógio:
Imersos em uma chuva que parecia não cessar
Os edifícios cada vez mais brancos se tornavam
E, ao olhar atentamente para eles, viam-se
Difusos e pálidos rostos debruçados nas janelas
Que, fechando os livros que sustinham em seus braços,
Sorriam sarcásticos e secos frente a meu assombro
Como se eu mesmo em um desses edifícios
                                                                            estivesse.)


Agora as tardes são secas,
Calcinantes como um corpo pisado
Por um milhão de formigas gigantes.
E, insone nesta terra de fantasmas,
Eu atravesso a névoa que cresce
E se dissolve, como um espectro do meu ser,
Seduzindo-me, incitando-me, rendendo-me
Aos extensos labirintos submarinos
Do suntuoso reino interior…

Porém, hoje não há espaço para a loucura.
Sob uma velha construção está um homem
Que sozinho joga xadrez, a ver quem vence

Se é sua formidável razão ou seu vazio…
“Onde estão os outros? Os outros? Os outros?
Os outros? Os outros? Os outros? Os outros?”
E ele (jovem e velho, passado, presente e futuro)
Diz asperamente, tornando-se de súbito altivo:
– Os outros não te podem ver e tu,……………)
Tu jamais os verás ( ……………………………………
– Os homens são de pedras, as almas são de pedra
E estas, estas são as cidades desertas da alma.

 

(Do livro Rumo ao Âmago da Própria Voz, editora Autografia)

A jornada entre o mundo interno e o mundo externo, é esse o tema central da obra. A qual deve ser lida do começo ao fim, como um único poema de mais de 3000 versos. Ou seja, funciona quase como uma epopeia. Os sonhos, a morte, a infância, a alienação das cidades, os mitos, a busca incessante pela paz, tudo se mistura e ressoa como quando somos levados para o fundo de um pesadelo.

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Os mosaicos eternos

Tempo  Tempo  Tempo  Tempo

Catedraais imensas sem sinos

Vozes subterrâneas proclamando o eterno,

Teus olhos abarcam os olhos de Deus

Tuas mãos as frias cinzas da aurora.

Cátedra adentrada nos vazios do futuro

Por tudo o que passas a vida e a morte se abraçam!

O que passa foi e sempre nunca sempre é

As folhas caindo vagarosamente

Pelos trilhos silenciosos do parto-e-sina rotineiro…

Tempo – Nesses mosaicos onde olhas

As frias inscrições do teu enterro futuro e passado

Não há espaço para que possas rezar.

Tempo     Tempo      Tempo 

 Tempo – um quarto escuro –

Onde os fragmentos da carne

Apenas se re-encontram em raros

E absurdos, espelhismos.

(Do livro Rumo ao Âmago da Própria Voz, editora Autografia)

À burrice

Dos males o maior é a burrice,

Ela reina no rico e no pobre,

No homem douto e no cuidador de cavalos               

Sem que ninguém no mundo o admita.

A burrice é o pilar das guerras violetas,

A burrice elege os hipopótamos brancos,                

Ela faz as crianças crescerem bem tortas          

E as florestas perderem suas folhas.

Mas quem renuncia a seu magnânimo sol?       

Mesmo quando o mundo é uma gruta            

Ela faz parecer um céu de borboletas.

Todos em cada reino ou ilha a procuram

Pois a burrice é um grande banquete

E não há nada mais gostoso que ser burro.   

(Do livro A Melancolia, editora Piraputanga)

Gonzalo Dávila Bolliger nasceu em 1989 em Lima, Peru, e se mudou para o Brasil em 1994 com os pais. Estudou Letras na USP e tem como alguns dos seus livros: A Melancolia (poesia, pela editora Piraputanga), Rumo ao Âmago da Própria Voz (poesia, pela Autografia); As Realidades Invisíveis (conjunto conceitual de contos e novelas; pela Autografia), Um Gato no País dos Evangélicos (novela, pela Autografia) e As Fronteiras do Sonho (novela, pela Maracaxá). E em espanhol (no Perú) publicou alguns dos livros mencionados acima: La Melancolía (editorial Vicio Perpetuo), Rumbo a lo Infinito de la Propria Voz (Vicio Perpetuo) e Las Fronteras del Sueño (Vicio Perpetuo). Além disso, traduziu o Altazor, de Vicente Huidobro, para o português (Maracaxá), e participou da coletânea peruana Poesía Joven Ultimísima da editora peruana Pléyades.

 

 

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