Poemas de Valdir Cesar

Valdir Cesar mora em São José do Rio Preto, SP. É desenhista e poeta, com poemas publicados nas revistas “Mallarmargens” e “Subversa”, e na antologia “Oito Poetas - Sete Rupturas” pela editora Patuá.

Complexo de Jocasta

Saio com uma mulher casada, 

cujo marido não deseja filhos 

 

Ela traz fotos dele, 

Pede que eu rasgue 

 

Traz também um uniforme escolar, 

Pede que eu vista, 

Pergunta como eu fui na escola 

enquanto me despe e se masturba 

e me chama de rei 

Deixa meu dinheiro 

e pede que eu feche os olhos, 

Até que ela vá embora. 

A alma abraça o corpo

Não há dinheiro que resolva 

Não há maquiagem 

capaz de disfarçar o apodrecer da alma

É por isso que há mais beleza 

no sal barato dos olhos que regam 

nossos lábios fechados

Do que no ouro que amarela 

o riso escancarado dessa gente que 

chora escondido

Não há dinheiro que resolva 

Não há cirurgia plástica que estique 

o corpo 

o suficiente pra que alma não denote 

o que se tenta esconder

Por mais que eles se pintem 

Por mais que eles se arrumem 

A alma abraça o corpo. 

Repartições  

Carimbo papéis, 

promessas e esperanças partidas 

pra políticos que prometem saúde e sobrevivem graças às doenças 

que causam na educação do seu povo 

Carimbo papéis que não me fazem sentido 

Promessas que não assino 

nas mesas de uma repartição senil 

Enquanto uma pilha de esperanças 

de sete anos de idade aguardam 

minha assinatura 

nas mesas de escolas entregues às traças 

Carimbo papéis como se não tivesse 

outra função 

Parte-se meu coração 

proibido de tomar partido 

Como se estivesse perdido 

Mas guardo um giz escondido no bolso 

Com ele rabisquei o contorno do arco-íris 

na face pedagógica do céu 

Meu caminho de volta pra minha casa. 

O castigo de Prometeu

Escrevo porque fui castigado 

por Deus, 

Acorrentado à linguagem após ter roubado 

o fogo no qual as bruxas ardiam 

 

E como uma criança que brinca com fogo 

E é logo castigada pelos pais, 

Deus não quis saber meus motivos. 

Como em toda brincadeira infantil 

A criança não esconde o desejo de fazer 

aquilo que os adultos fazem, 

Eu só queria ser Deus 

e mudar a direção das chamas. 

 

Mas, com adulto é diferente 

Não é que o adulto não fantasie, mas é 

que se espera dele 

A ocultação dos desejos 

 

E, por desobedecer a regra, fui obrigado 

A passar a eternidade 

Escondendo as minhas fantasias 

em poemas. 

As lágrimas do amigo imaginário   

Sim, eu bebia demais. 

Eu bebia pra cansar a tristeza 

e às vezes deslizava o dedo sobre a tela 

do celular, procurando 

risadas que não fossem artificiais. 

 

Eu bebia muito vinho e quanto mais 

velhas as garrafas, mais raras as risadas 

fermentadas no sabor das uvas. 

Eu deslizava o dedo sobre a tela à procura 

de algum rosto propenso ao riso, com quem 

eu pudesse dividir uma taça ou duas, 

mas não encontrava nenhum. 

 

Não havia em nenhum aplicativo 

essa iguaria chamada risada. 

 

Talvez só houvesse mesmo no vinho. 

Desesperado, às vezes eu desenhava 

um bigode no espelho do banheiro 

e contava piadas ao Belchior. 

Mas Belchior, na maioria 

das vezes, estava mais triste que eu. 

 

Um dia eu decidi largar o vinho, 

ler um livro de autoajuda, colocar uma 

risada de plástico na cara. 

Enxuguei as lágrimas do Belchior no espelho 

e, sem perceber, 

apaguei o meu rosto. 

Valdir Cesar mora em São José do Rio Preto, SP. É desenhista e poeta, com poemas publicados nas revistas “Mallarmargens” e “Subversa”, e na antologia “Oito Poetas – Sete Rupturas” pela editora Patuá. 

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