O universo particular e afetivo de uma casa e suas memórias: cearense Priscilla Pinheiro lança “Morada em Edição”, seu segundo livro de poemas

Em novo livro, a escritora perpassa, em versos, pelas casas onde morou; explora as minúcias do cotidiano e reflete sobre sentimentos como ternura, solidão e melancolia

“naquele dia eu descobri

lar não é um lugar de quatro paredes

mas é onde a gente é envolta por cheiro

e desabrocha para cultivar amor”

Trecho do livro

O novo livro da escritora Priscilla Pinheiro (@priscilla.pinheiroo), “Morada em Edição” (Caravana Grupo Editorial, 52 pág.), transforma a vivência cotidiana em versos. Nos 37 poemas que compõem a obra, a autora puxa para dentro de sua poesia tudo o que passa despercebido pelo correr dos dias e coloca sob as lentes de aumento. O ponto de partida desse experimento literário são os espaços de habitação, as casas e tudo o que é familiar.  

 

A autora cria cenas singelas a partir da roupa da avó, do calendário pendurado na cozinha, da receita de um bolo e de mais um sem número de elementos que encontra no caminho. A morada para Priscilla é a transmutação de uma casa num lar e nessa perspectiva seus versos abrangem também jardins e vizinhanças. Torna-se então imperativo para a escritora coabitar esse universo escrutinando seres animados e inanimados para transformá-los em poesia. 

 

O leitor que se debruçar sobre “Morada em Edição” sentirá inevitavelmente uma proximidade com o espaço que a autora cria. Essa sensação de familiaridade vem da forma genuína como Priscilla elabora seus poemas e do quanto se coloca neles. Os deslocamentos territoriais que fez lhe deram habilidade para atravessar o tema com propriedade. A autora afirma que quando pensa nas fases da própria vida associa a mudanças de casas e foi esse trânsito que a inspirou a escrever o livro. “Os lugares pelos quais passei são as moradas que representam os ciclos em que vivo e as histórias que fazem parte do meu dia a dia”, explica.

 

A escritora avança um passo nesse descortinamento cotidiano, não se limitando a usar os elementos físicos presentes numa casa para dar corpo à sua escrita. Priscilla vai além e usa esse espaço íntimo e singular também para criar metáforas e, com elas, a possibilidade de acessar  emoções mais viscerais. 

 

A escritora constrói cenas que não se repetem, projetando nesses locais de habitação o valor de repositório infindável de histórias, com inúmeros recortes possíveis. Nesse exercício de encarar os detalhes e trazê-los à tona travestidos de versos, Priscilla desperta também memórias coletivas, em uma atmosfera familiar e acolhedora. Os lugares que ela atravessa e as situações que descreve ensejam afetividades.

 

Para Priscilla, a obra triangula os temas: casa, memória e tempo. A química criada pela escritora para misturar esses três elementos resulta em um ode ao habitar incorporado a esse ato todas suas complexidades e potencialidades. A obra evoca no habitante esse olhar sensível e aguçado para o próprio universo íntimo e particular. 

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Confira um poema do livro:


Terra e água

a memória é uma ilha de edição

Waly Salomão falou

o que a gente lembra e vive

em constante deslocamento


a casa feito ilha

de histórias e vivências

percorre um caminho entrelaçado

por gostos, pensamentos e mergulhos


em terra firme

a morada se constrói

a partir de fragmentos

e apesar das rachaduras

Isolamento e inspiração para escrever

A escritora Priscilla Pinheiro nasceu em Fortaleza, capital do Ceará, em 1993. É bacharel em Publicidade e mestre em Comunicação, ambas formações pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atua como redatora publicitária há oito anos, e, em paralelo, mantém a carreira de escritora. “Morada em Edição” é seu segundo livro. O primeiro, “Passagem de Ida e Volta” (Editora Folheando), também é dedicado à poesia.  

 

O início da trajetória literária se deu durante a pandemia da Covid-19. O isolamento impulsionou Priscilla a escrever, de forma despretensiosa em um primeiro momento. Desse tempo nasceu o primeiro livro. O gosto pela escrita tomou corpo e ela seguiu compondo versos. Para a autora, a produção textual era uma tentativa de passar as memórias para o papel. “Durante essa caminhada passeei pela lembrança de várias casas, abrindo os portões da infância e adentrando também nas imagens compartilhadas pela família ao longo dessas mudanças”, conta, pontuando também o tema que a envolveu durante o processo. 

 

Outro movimento que colaborou para que a produção de texto se tornasse constante eram as oficinas de escrita que a autora frequentava. Priscilla destaca que alguns dos poemas de “Morada em Edição” foram produzidos nesses encontros literários liderados pelas escritoras Mell Renault e Yara Fers. O incentivo para lançar o segundo livro veio por meio de uma mentoria com a escritora Jarid Arraes. 

 

A autora, inclusive, está no rol de influências literárias de Priscilla. Junto à cearense estão outros escritores, entre eles, os internacionais, como os portugueses Matilde Campilho, Adília Lopes e Fernando Pessoa, e ainda a polonesa Wisława Szymborska. Na lista há ainda espaço para os brasileiros, desde os clássicos, como Clarice Lispector, Hilda Hilst e Caio Fernando Abreu, até às contemporâneas, Socorro Acioli,  Aline Bei e Ana Guadalupe.

 

Ana Guadalupe é influência direta de “Morada em Edição”, segundo Priscilla, em especial o livro “Preocupações”. “Nessa obra a escritora fala sobre as casas que já morou, a rotina e as constantes transformações experienciadas, o que dialogou muito com minha vivência. Na elaboração do tema, refletimos sobre o que é, afinal, uma morada e como ela se constrói para além dos aspectos materiais e emocionais que a envolvem”, reflete a cearense.  

 

Ainda que a materialização da escrita em livros tenha só acontecido perto dos 30 anos, a vocação para produzir literatura veio ainda no período da escola. A pequena Priscilla, lembra a autora, não tinha medo de sujar o papel. A intenção era se apropriar das letras para dar sentido ao mundo. Aos poucos foi lapidando o talento, arriscou se inscrever em concurso de poesia e redação ainda na época do colégio e ganhou. Agora na vida adulta, ao dedicar-se com mais afinco à escrita criativa e literária, a autora honra a menina que desenhava e rabiscava as palavras e também a memória do que viveu.