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Renato Fonseca estreia com obra quemergulha nas dores humanas

Entre repulsa, amor e violência, Renato Fonseca estreia com obra que mergulha nas dores humanas

Lançado pela editora Paraquedas, “O último bom homem” conta com orelha escrita por Felipe Ramos, do PapodeHomem, e quarta capa assinada por Alexandre Coimbra Amaral

“[…] um dos melhores livros de estreia ficcional de um autor brasileiro dos últimos tempos.
Fui inundado pela beleza de um estilo visceral na narrativa e de personagens que se
vincularam à minha alma imediatamente. É um presente, um banquete, um acontecimento.”

Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo e escritor, na quarta capa

O psicólogo paulistano Renato Fonseca estreia na literatura chamando o leitor para viver
uma história de ficção com fortíssimos toques de realidade. Em uma narrativa descritiva e
envolvente, lança “O último bom homem” (Editora Paraquedas, 2022, 302 pág.) — livro que,
a partir da relação entre personagens à margem da sociedade, um pai alcoólatra e um filho
com deficiência, aborda as dores e as aflições da alma humana, adentrando em suas
particularidades e sutilezas. A obra perpassa temas como machismo e capacitismo.


No livro, debaixo de pilhas de cigarro, garrafas de bebida e emoções nocivas, Teobaldo e
Júlio, pai e filho — o pai, alcoólatra, e o filho, uma pessoa com deficiência — vivem uma
rotina melancólica e agressiva. Quando pequenas fagulhas começam a queimar o tecido
rígido do cotidiano, os personagens são obrigados a se deparar com passado e presente,
vícios e delírios. A cada cigarro de Teobaldo, o leitor é tragado para a construção da
complexa intimidade de ambos, acompanhando a trajetória desses homens em busca de
algum sentido em meio a um mar de angústia. Apesar das duras questões apresentadas ao
longo do livro, trata-se de uma história de amor.

“Essa relação de pai e filho é  explorada em uma narrativa detalhista e minuciosa que busca
trazer ao leitor duras reflexões, dentre as quais, sobre as prisões que os homens vivem ao buscar uma masculinidade frágil que tem de ser provada a todo instante”, escreve Felipe Ramos, co-fundador do PapodeHomem & Instituto PDH, na orelha do livro. “Ao longo da história, o autor nos confronta com diversas situações de preconceitos do personagem central com seus entes mais próximos. A partir de um espelho feio, porém real, de nossa sociedade, e em situações banais e cotidianas, atravessadas de capacitismo e machismo, somos convidados a olhar com repulsa a nossa própria imagem, em uma leitura envolvente, ácida e poderosa que prende a atenção do início ao fim do livro.”

Com 34 anos, Renato é pai de três crianças (Dora, Tom e Teresa). Além de escritor, psicólogo
e supervisor clínico, é mestre em filosofia. Trabalhou durante anos em instituições de saúde
mental e psiquiátricas e possui ampla experiência no atendimento de pacientes com quadros clínicos graves, como psicose e esquizofrenia. “Como psicólogo, meu trabalho é escutar. É preciso dar vazão à dor e dar sentido aos afetos e sentimentos renegados à borda, encontrar outros caminhos junto àquele que, no meu consultório, me confia a sua história. E se essa história é de violência e dor, é preciso trazer para perto, integrar”, diz.


Renato frisa que seu livro não é temático. “O principal de ‘O último bom homem’ é a complexidade da dor humana dentro de vivências, trajetórias e histórias de vidas
particulares”, explica o autor. “Isso pode ser tematizado, é claro, temos ali a questão do machismo, do capacitismo, entre outras, que são temas centrais e urgentes para a nossa sociedade hoje e de onde origina boa parte de nossos sofrimentos. Mas, no meu livro, esses temas não são centrais, o central é a vivência de personagens que se encontram na margem. O encontro entre borda e centro gera a tensão necessária para provocar o leitor a olhar e trazer para perto os limites particulares e coletivos. Isso é capaz de gerar perspectivas, e tanto a literatura como a psicologia carregam essa função: perspectivar a si mesmo e nossa sociedade”, argumenta.

Clique na imagem para saber mais

Confira um trecho de “O último bom homem”, de Renato Fonseca:

“No dia em que sua mãe foi embora, o pequeno Teobaldo dormiu sozinho na praia. O que
sentiu naquela noite, deitado na areia úmida e gelada, foi inútil. E de tudo que lhe atacava o
corpo encolhido, além do frio, do que tinha a plena lembrança era da esperança de que
Sardinha reaparecesse e o encontrasse ali, salvando-o como no dia em que ele o encontrou.
Esperava Sardinha e não sua mãe. No dia em que ela desapareceu, deixou uma carta sobre a
mesa. Foi o pequeno Teobaldo quem encontrou. A letra tremida não parecia de sua mãe. De
qualquer forma, era o nome dela assinado. A aliança estava sobre a mesa, junto a carta. Ele
não conseguiu ler, ainda não conhecia sobre as letras, mas o pequeno soube que sua mãe
tinha ido embora. Não podia compreender a dimensão daquilo, porque ao mesmo tempo em
que, de alguma forma, sabia que ela tinha ido embora para nunca mais voltar, nunca-mais
era imensurável. Em seu pequeno tamanho, esperava por uma espécie de volta. Não o voltar
do ter-ido-embora, mas a fantasia do voltar para casa como se nada tivesse acontecido.”

Além do “masculino”

O escritor demorou sete anos para finalizar seu livro, passando por diferentes motivações
para concluí-la. “Primeiro, quis que as pessoas sentissem, tinha essa inquietação: por que
estamos consumindo cada vez mais notícias sangrentas e filmes violentos, em um tempo
cada vez mais acelerado? Achei que era porque estávamos cada vez mais anestesiados (com
ansiolíticos e telas), distanciados de nós mesmos e do mundo, e precisávamos de estímulos
cada vez mais intensos para sentir algo. Trabalhava em um ambulatório psiquiátrico,
exclusivamente com casos de esquizofrenia e psicose. Tinha a convicção que este público
lançado à margem da sociedade era, dentre outras coisas, sintoma de uma sociedade que
vive à margem de si mesma e de seus afetos. Quis escrever um livro simples, sem nada de
espetacular, mas que fosse capaz de, em um tempo demorado, fazer as pessoas sentirem cada afeto que os personagens sentem, se des-anestesiarem”, explica. “Depois virei pai três vezes, a cada vez me abriu novas perspectivas e motivações que se somavam. Na paternidade, senti a necessidade de entrega e envolvimento afetivo, algo que estava à margem por conta do homem que eu era. Eram noites e mais noites ninando crianças e
pensando sobre isso, sobre o livro. Passei a entender o livro como um caminho entre o que hoje chamamos, vulgarmente, de masculino e feminino. Entre a rigidez e a entrega. O concreto e o sutil.”

 

Outra motivação foi 2018, com a eleição de Bolsonaro, na qual “o esgoto saiu do bueiro”. “O
fedor daquela eleição já estava no livro, que ganhou também motivação política enquanto
acompanhava diversos casos de violência, cada vez mais cotidiana, normalizada e
institucionalizada. Mas tudo isso também acontece dentro de um indivíduo com suas dores
e perturbações, incapaz de escutar a si, aos outros e as diferenças”, justifica. “Sinto vontade
de compreender de onde as coisas vêm e para onde vão. Me aprofundar no outro e para o
outro, descrever o que encontro ali por baixo, para ver como o leitor pode se sentir e, quem
sabe, colocar tudo isso em perspectiva”, expõe Renato, que, durante a pandemia, reescreveu
seu livro, de ponta a ponta, três vezes até chegar na última versão de “O último bom
homem”.

Crédito: Christine Schon

Entre Cervantes e Knausgård

Em casa, cada pessoa tem um altar com aquilo que lhe é mais valioso. Santas, Orixás,
brinquedos ou livros. No de Renato estão Fiódor Dostoiévski, James Joyce, Miguel de
Cervantes e João Guimarães Rosa. Embora no altar tenha apenas clássicos que de diferentes
formas influenciaram sua escrita, tem buscado se dedicar a autoras e autores contemporâneos, cita Jeferson Tenório, Karl Ove Knausgård, Natalia Timmerman, e Elena Ferrante. “Minha companheira me questionou como eu poderia escrever sobre o feminino se eu lia tão poucas mulheres. Embora masculino e feminino não se restrinjam respectivamente a homem e mulher, ela estava coberta de razão”.

Renato gosta de trabalhar com imagens, metáforas e símbolos em sua escrita. “Quero
aprofundar o máximo que puder a alma dos personagens, nas suas sensações, percepções,
medos e desejos. Quero que as pessoas sintam os cheiros que os personagens sentem, que
deixem doer nelas o que está ali na página. Sou obsessivo com isso. Isso e os detalhes que vou apurando das imagens que me tomam”, frisa o autor, que escreve há cerca de dez anos
e atualmente trabalha na escrita de seu segundo livro que, segundo ele, conta a história de
uma mulher que se depara com um semideus.

“É de certa forma um desdobramento daquilo que busquei com o primeiro livro e dos temas adjacentes, presentes no meu processo de vida. Abordo a questão do divino, do mistério e
do envolvimento, repudiando nossa perspectiva de nos des-envolvermos infinitamente e de
asfaltarmos cada centímetro quadrado daquilo que não conhecemos”, pontua.

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