Um percurso íntimo sobre orfandade e paternidade: psicanalista Ricardo Hirata estreia com “O órfão na estante”

Obra de autoficção foi lançada pela editora Paraquedas, selo de publicação da Claraboia

“Existe algo em comum entre a orfandade e o infinito, um campo além das névoas da visão, ilhas como estrelas suspensas a milhares de anos-luz. Lugar de lembranças longínquas, irreais para o espaço e o tempo da consciência. Não se encaixam com recordações, minhas
ou de outros, nem existe nada coerente, nenhuma certeza, linearidade, dias antes ou depois. Estão próximas dos sonhos; memórias reluzentes, na fronteira com a ficção.”

Trecho de “O órfão na estante”, de Ricardo Hirata

Estreia do psicanalista paulista Ricardo Hirata, “O órfão na estante” é a nova obra de autoficção lançada pela editora Paraquedas, selo de publicação da Claraboia. Ao longo de 178 páginas, Hirata refaz a trajetória do luto da perda dos pais, vivenciada pelo autor, para refletir sobre paternidade e seus desdobramentos possíveis, formando um jogo temporal, em que passado, presente e futuro se conversam e se entrelaçam. A obra tem orelha assinada pela escritora, professora e psicopedagoga Carolina Zuppo Abed.

Ricardo Hirata é órfão desde os 9 anos. Para elaborar a perda dos pais, ele se coloca no centro de um processo investigativo-literário em “O órfão na estante”, revisitando a si como filho para refletir sobre seu papel hoje, como pai. Seu luto se conclui, de alguma forma, pela própria atividade psicanalítica da escrita. “É uma obra que nasceu no divã, fruto de uma parte da minha análise pessoal. A maior influência para escrevê-lo foi a versão de minha vida que construí ao longo desse percurso, uma ficção de mim mesmo”, aponta o autor.

Uma obra que nasceu no divã

Paulistano, Ricardo nasceu em maio de 1975. Na virada do século, entre restaurações e próteses  dentárias, passou a se interessar mais por bocas falantes e menos por cáries e tártaros. O caminho para a psicologia e a psicanálise estava aberto: hoje é psicólogo clínico com especialização pelo Centro de Estudos Psicanalíticos (CEP) e Instituto Sedes Sapientiae, além de mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP.

Atuando como psicoterapeuta de casal, família e grupos, Ricardo  também é coordenador do “Laboratório de Escrita Psicanalítica”, na interface entre a literatura e a psicanálise, no Centro de Estudos Psicanalíticos (CEP-SP). Ministra oficinas e laboratórios de escrita criativa junto ao Oficinas Culturais – Programa de Formação para o Interior de São Paulo,
administrado pela Poiesis – Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura. Em 2020, fundou a Literacura, empresa voltada para ações em “psicanálise com arte”, com foco em intervenções terapêuticas, como a escrita participativa e compartilhada de cartas-poemas,
em equipes e grupos com casos de traumas psíquicos, como suicídio, abuso moral e sexual.

Com outros artistas da cena cultural paulistana, inaugurou, em 2019, o Núcleo Artístico Epidauro.

Mais próximo da escrita criativa e com o nascimento do primeiro filho, Ricardo viu nascer também um escritor. Mas a arte de escrever já se fazia presente desde a adolescência, com contos e poemas inacabados, e voltou após muitos anos, quando escrevia as sessões que realizava no consultório. “Juntei uma porção de cadernos com essas anotações de casos. Mais tarde, o mestrado terminou num poema e o doutorado ficou impedido porque comecei a escrever um romance no meio da tese, era uma história sobre uma família despedaçada, ao longo do rio Tietê. Ali entendi que o campo fértil da minha escrita não estava na vivência acadêmica”, recorda.

Foi então que em 2013, Ricardo abandonou o doutorado sobre psicologia analítica e meio ambiente e começou um curso de formação de escritores, no Instituto Vera Cruz. “Faz nove anos, estava para me tornar pai pela primeira vez. Tinha tanto medo da paternidade que fiz um pacto comigo mesmo: levarei a escrita a sério. Não sei bem que relação eu criei ali, mas foi assim que aconteceu. Desde então, aproximei a psicanálise da literatura no meu trabalho clínico e há seis anos coordeno laboratórios de escrita psicanalítica.”

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“De fragmento em fragmento, o leitor é convidado a participar do íntimo percurso de
atribuição de sentido que se faz à medida que os muitos tempos contaminam-se e
modificam-se, desembocando em um dispositivo multiplicador de futuros.”
Carolina Zuppo Abed, escritora, professora e psicopedagoga, na orelha de “O órfão na
estante”

“Existe um livro que eu preciso escrever. É história de minha orfandade”

Na última vez em que Ricardo buscou a análise, foi com a necessidade de escrever a história da sua orfandade. Ele escrevia de 2 a 3 capítulos por semana e levava para as suas sessões de análise. “Era como se houvesse algo ali e que eu não poderia continuar a viver comigo mesmo se me recusasse a escutar os murmúrios imagens e sentimentos ali ocultados e aprisionados. Eram como vozes congeladas no interior de imensos blocos de gelo”, confessa.
“Logicamente, a primeira versão desse livro é impublicável, íntima e bruta em demasia. Ao final da primeira versão, rasguei tudo e comecei a escrever novamente, praticamente do zero. Mas dessa segunda vez, eu já contava com o fio da meada. As dores já não me
impediam de alcançar o término.”
Curiosamente, o final da escrita do livro coincidiu quando Ricardo atingiu a idade que seu pai tinha quando faleceu. “Terminei o livro aos 46 anos e 30 dias. Ele morreu com essa idade. De alguma forma, dessa forma, o livro entra na realidade e a modifica. Eu nunca mais poderei concluir um livro ao completar a idade que meu pai tinha quando morreu. Esse dia passou e não voltará jamais, como uma espécie de segunda morte — dessa vez quem se vai é o tempo, uma janela no calendário simbólico de minha vida.”
Segundo Carolina Zuppo Abed, Ricardo Hirata recompõe “todo o caleidoscópio de uma vida fora da estante”. “De fragmento em fragmento, o leitor é convidado a participar do íntimo percurso de atribuição de sentido que se faz à medida que os muitos tempos contaminam-se e modificam-se, desembocando em um dispositivo multiplicador de futuros”, escreve, na orelha.
O recorte de “O órfão na estante” termina com a entrada de Ricardo na faculdade de odontologia. No próximo projeto de escrita, o escritor planeja explorar mais sua experiência de paternidade. “Quero abordar a travessia edipiana dos meus filhos, e o início do meu ‘acerto de rota’ em direção à psicologia e à psicanálise.” 

Entre Freud e Raduan Nassar

Além das obras literárias clássicas, dos casos clínicos de Freud, Jung e companhia, as influências narrativas fundamentais para Ricardo são as histórias divanescas que escuta na prática clínica. “O tipo de texto produzido por associação livre, por lembranças, sonhos e devaneios, por parte de alguém que se implica com o próprio sofrimento, por meio da fala”, explica.

Na literatura, ele destaca autores que lidaram com “os enigmas da subjetividade, nos recônditos poéticos da alma”, como Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Raduan Nassar. “Entre os contemporâneos, gosto muito do estilo conciso e cortante de autores como Marcelino Freire e Angélica Freitas”, completa.

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