A brincadeira era “reizinho manda tudo”.
Os “reizinhos” eram o Beto (15 anos) e o Zé Luiz (14 anos). Os súditos obedientes éramos eu (10 anos), minha irmã, Vivian (7 anos), o Adílson (11 anos) e a Cristiane (7 anos), irmã dele. A brincadeira consistia em os reizinhos mandarem a gente fazer coisas e, quem cumprisse a ordem mais rapidamente, ganhava o jogo.
Estávamos na casa do Adílson, vizinha da minha. Os reizinhos estavam na casa do Zé Luiz, vizinha da do Adílson. O Beto e o Zé ficavam na escada da casa e falavam com a gente de lá, ou melhor, mandavam na gente de lá. O jogo se dava no quintal do Adílson, que era composto por uma passagem de cimento e um gramado que se estendia do muro, que separava a minha casa da dele, até aquela passagem de cimento.
Os reizinhos mandaram a gente pegar uma plantinha perto do muro. Todos nós corremos até lá. Mas eu não percebi que havia um cordão de varal mais baixo e enrosquei o pescoço no fio, o que projetou meu corpo para trás. Bati a cabeça no chão. Se tivesse um pouco de sorte, cairia no gramado. Mas, não. Caí na passagem de cimento. Quando levantei, meio tonto, todos à minha volta estavam pálidos. O Zé disse, quase gaguejando: “Paulinho, vai pra casa.” Senti algo escorrendo nas minhas costas. Pus a mão na cabeça e meus dedos estavam vermelhos. Minha irmã saiu correndo apavorada para a nossa casa. Quando cheguei lá, minha tia (na verdade, tia do meu pai), que cuidava da gente enquanto minha mãe ia trabalhar de faxineira, já me esperava. Logo, me colocou embaixo do chuveiro e, depois, me levou a uma farmácia onde, um homem desconhecido, vendo a minha situação lamentável, se ofereceu a nos levar ao hospital. Lá, tomei vários pontos na cabeça. O que aconteceu depois disso, não me lembro. O que sei é que nunca mais quis brincar de “reizinho manda tudo”.
Anos mais tarde, numa aula de História, a professora falava da Revolução Francesa, do Terror e o que produziu de sangue a invenção de Joseph-Ignace Guillotin.
Naquela aula, descobri que, quando os homens brincam de “reizinho manda tudo”, eles invariavelmente enroscam os pescoços no cordão do varal e caem, sempre para trás, chocando-se contra o chão duro da nossa mais profunda estupidez.