“E eu te matei bem aqui”: paulistana Zoë Naiman Rozenbaum explora emescrita performática a ruptura que o fim de um amor representa

Publicada pela Laranja Original, a obra conta com paratextos assinados pelas escritoras Natália Zuccala e Tóia Azevedo.

“Zoë Naiman Rozenbaum escreve os buracos que o amor deixou pelo
caminho. Se trata de uma poesia que, ao encher as páginas e descrever
ricamente situações e lugares, acaba por evidenciar o espaço entre dois
corpos que outrora foram uníssonos. Ela constata que há um grande
abismo entre o que foi e o que poderia ser – os cacos estilhaçados entre
presente e passado são um mosaico que nunca poderá ser completado.
Por mais que vasculhemos bem, sempre vai faltar um pedaço.”
Orelha assinada por Tóia Azevedo

Segunda publicação da escritora, pesquisadora e atriz em formação Zoë Naiman Rozenbaum
(@zoe.nr), “E eu te matei bem aqui” trabalha o romantismo relacionado com a pequena
morte que o fim de uma relação amorosa simboliza e a possibilidade de fazer dessa ruptura
uma chance de ressignificar a ideia de amor. Publicada pela editora Laranja Original (100
pág.), a obra conta com prefácio assinado pela escritora, professora e psicanalista Natália
Zuccala e orelha escrita pela artista visual e escritora Tóia Azevedo. Uma live de pré-
lançamento está marcada para o próximo dia 6 de julho, uma quinta-feira, às 19h30, pelo
Youtube da editora Laranja Original.
“E eu te matei bem aqui” é o segundo livro de Zoë Naiman Rozenbaum que, além de
escritora, é também pesquisadora e atriz em formação. Nascida em São Paulo (1997),
atualmente, vive na França, onde estuda arte dramática no Conservatório Darius Milhaud
Paris XIV. Cientista social graduada pela Universidade de São Paulo (USP), escreveu e
publicou de forma independente seu primeiro livro de poesia “Mergulho em Apneia”, e
atuou na peça “B de Beatriz Silveira”, dirigida por Ines Bushatsky, junto do grupo de
pesquisa cênica F de Falso.

Quando amor e violência andam juntos em uma obra híbrida

Em “E eu te matei bem aqui”, amor e violência andam juntos, toxicidade e romantismo
também. Dividido em prólogo, numerais romanos de I a XXXIX e um epílogo, o livro brinca
com gêneros textuais e impõe ao leitor uma necessidade de atenção plena a esse jogo
literário que evoca comportamentos relativos ao amor romântico. E a frase “Este crime foi

planejado em 2021 e executado na terceira semana de janeiro de 2022” em suas páginas
finais se mostra mais um artifício dessa brincadeira.
Natália Zuccala destaca a intencionalidade dessa aposta na hibridez no prefácio. “É inclusive
esta auto enunciação o que faz com que a obra ultrapasse a instância dos gêneros literários
nessa mistura de registros escritos e encontre a metalinguagem”, aponta. “Assim como o
falar é ação, a elaboração é também obra (…) e a obra é elaboração, produtos da
personagem/eu lírico e da autora. E, nessa mistura de formas literárias proposta por Zoë,
que possa o leitor/espectador também entrar na catarse entorpecente proposta por ‘E eu te
matei bem aqui’ e expurgar os próprios mortos.”
Essa miscelânea observada por Zuccala é algo associado ao processo criativo de Zoë no
todo. Se fez presente no livro, mas é algo referente ao seu estilo e proposta literária. “Gosto
de misturar linguagens artísticas diferentes, então estou com muitos projetos girando ao
redor de poesia, dramaturgia, música e performance, declamação e interpretação de textos,
principalmente contos curtos e prosa poética”, justifica a autora.

Clique na imagem para saber mais

Confira um trecho da obra “E eu te matei bem aqui” (pág. 24):

mal sabia eu
que no final da história
anti-herói
beirando o vilão
você se revelaria
na torre ou na masmorra
eu morreria
o conto de fadas
nem final feliz teria

me acabaria desgraçada, assombrada, maldita

me faria abandonada
uma mulher esquecida
acabada, perdida
execrada
expulsa do Paraíso
em pleno deserto
uma mulher que caminha

E a morte, o luto, a catarse e o renascimento são partes indissociáveis dessa proposta, como
Tóia Azevedo afirma no texto de apresentação da orelha ao relacionar a criação como parte
do processo dessa personagem: “Quando a falta é intensa, como não a materializar no
próprio corpo? Alada como Eros, a mulher que ama demais se transforma no próprio amor e
o manifesta tanto em criação – por exemplo, permeando a obra de uma linguagem
metalinguística que tece o processo de escrita em paralelo ao luto – quanto em aniquilação:
‘eu destruí a obra / me destruí na obra / antes que tudo mais fosse destruído’.”
Ler “E eu te matei bem aqui” é se colocar diante de temas densos. A poeta afirma que seus
poemas surgiram de sua necessidade de colocar no papel o que vinha de dentro, “todas as
palavras, com suas letras pontiagudas, os sentimentos, pesando toneladas nas costas e no
peito, ideias não ditas que me davam nós na garganta, pesadelos teimosos que não saiam
da minha cabeça”.

Sinestesia, fluxo de consciência e vulnerabilidade na escrita de Zoë Naiman Rozenbaum

Influenciada por “Tudo sobre o amor”, de Bell Hooks, “A teus pés”, de Ana Cristina César,
“Devoção” de Patti Smith e “Cânticos” de Cecília Meireles, a escrita de Zoë também tem
algo que Virginia Woolf chamava de fluxo de consciência junto de um quê performático,
rítmico e até mesmo prolixo e propositalmente repetitivo.

Segundo ela, as maiores influências do livro não vieram da literatura, mas sim de obras das
artes plásticas, principalmente de escultores franceses como Camille Claudel, com destaque
para a obra L’Âge mûr, além de La Valse, L’Abandon, entre outras; L’Éternelle Idole e La
Cathédrale de Auguste Rodin; as obras da exposição Matières de Bruno Catalano e a
escultura Roland Furieux, de Jean Bernard Duseigneur.
Olhar para o romantismo francês e italiano, que resgatavam narrativas mitológicas greco-
romanas em suas esculturas, também foi parte essencial no processo de escrita de seu
segundo livro. Ela também destaca que a pesquisa de estudos sobre gênero e feminismo nas
fontes sagradas do judaísmo e da liturgia judaica, em especial na figura de Lilith e a
discussão de seu apagamento dos escritos bíblicos, também fizeram parte do seu processo
criativo.
No momento, a poeta tem se dedicado à dramaturgia, à escrita para o teatro, e aos
desdobramentos que essa teatralidade pode trazer para sua literatura no todo, além de
adaptações de seu material literário para o formato de roteiro. Seu processo criativo
acontece a partir dessa mescla de gêneros e estruturas, porque, para ela, isso também é
uma forma de pesquisa.