Fábio Pessanha e A Forma Fugaz das Mãos
Poeta, natural da cidade de São Gonçalo, Rio de Janeiro, mestre em poética e doutor em teoria literária pela UFRJ, Fábio Pessanha assina a coluna “palavra: alucinógeno” na Revista Vício Velho e dividiu conosco alguns dos poemas de seu futuro livro.
e se de repente
se repetisse o
gesto não como um
costume, mas só
aquela pontada
aguda que segue
o ritmo das
flores mais confusas?
o tempo das mãos
sobre muitas faces
perdidas no espelho.
a imagem nascida
no que se reflete
na repetição
dos olhos, o inédito
compasso das rugas.
quisera eu ter mais
tempo para me
jogar na piscina
que forma uma linha
perpendicular
com a pele da água
e surpreender
meus lentos mergulhos.
**
distante como se abrisse
uma janela durante
as horas de frio. o vento
na cara, a rua lá fora.
a sensação seca de uma
paisagem no meio do
peito – ausente –, desde que a
noite se estendeu e se
deu por escurecer mais
tarde… com isso, os invernos
ganharam outro contorno.
a lua cheia foi vista
do meio de uma varanda
esquecida, com a certeza
de que a noite se escondera
numa estação sem retorno.
**
a encruzilhada é meu guia. “Nada me faltará”. as ruas me cortam e me levam com elas.
o destino dos joelhos seguem o avesso dos pés. a fé no caminho é digna de desvio. o
chão é o senhor de todos os passos. o chão acolhe as pessoas quando se tornam restos.
todas as pessoas se compõem para o fim. todas as pessoas são um resto. gerar um filho é
aumentar o nada. o nada tem voz nos pulmões do absurdo. eu sou um absurdo.
a encruzilhada é meu guia. “Nada temerei”. a tarde imprime crepúsculos na
incorporação dos dias. o dia se enche de encalços. a noite entra nos recantos da luz. a
noite insiste na escuridão luminosa das estrelas. as estrelas caem controversas no
caminho do mar. o assombro reconhece o rosto dado ao tapa. o tapa investe na precisão
dos dedos. o tapa reveste a pele de tangência. eu sou um tapa.
a encruzilhada é meu guia. “Tu estás comigo”. sozinho faço prece ao desconhecido.
sozinho concebo angústia a quem pediu por mim. sozinho percebo. sozinho. percebo. o
estômago se enche de si na alegria da fome. o estômago come o corpo por dentro. a
fome aumenta a vontade por mais nervos. as bocas reagem ao fascínio do engasgo. o
escarro cumpre sua sina. eu sou um escarro.
a encruzilhada é meu guia. habitarei na tua casa por longos dias. dou aleluia ao festejo
da véspera. o adeus me fertiliza de mãos ao vento. o pôr do sol é mais alguém. ninguém
diz onde a sombra resvala. ninguém fala de onde reluz o poente. o escuro é grande e
assalta o dorso de quem anda na contramão do presságio. o presságio contagia a luz de
amanhãs. o quando é mais um porém na contradição do tempo. o tempo é uma
encruzilhada. na encruzilhada me guio “todos os dias da minha vida”.
amém.
Fábio Pessanha
POEMAS DO LIVRO A FORMA FUGAZ DAS MÃOS (ainda não publicado) Por Fábio Pessanha
sobre o autor
Fábio Pessanha é poeta, doutor em Teoria Literária e mestre em Poética, ambos pela UFRJ. Publicou ensaios em periódicos sobre sua pesquisa, a respeito do sentido poético das palavras, partindo principalmente das obras de Manoel de Barros, Paulo Leminski e Virgílio de Lemos. É autor do livro A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos (Tempo Brasileiro, 2013) e coorganizador do livro Poética e Diálogo: Caminhos de Pensamento (Tempo Brasileiro, 2011). Assina a coluna “palavra: alucinógeno” na Revista Vício Velho. Tem poemas publicados nas revistas eletrônicas Diversos Afins, Escamandro, Ruído Manifesto, Sanduíches de realidade, Literatura & Fechadura, Gueto, Escrita Droide, Gazeta de Poesia Inédita, Mallarmargens, Contempo, Poesia Avulsa, InComunidade e na própria Vício Velho.