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A Antipoesia de Nicanor Parra

A Antipoesia de Nicanor Parra

Poeta e matemático chileno, Nicanor Parra quis sua poesia calcada no rés do chão, longe da grandiloqüência clássica ou da poesia sobre-humana, altiva, que se ocupa dos grandes temas do amor, da morte, da vida. “Durante meio século/A poesia foi/O paraíso do bobo solene”, escreve Parra em “A montanha-russa”.

“O autor não responde pelos incômodos que seus escritos possam provocar”

Nicanor Parra em “Advertência ao Leitor”

NOVOS SERMÕES E PRÉDICAS DO CRISTO DE ELQUI

(tradução: Antonio Cabrita/Revista Caliban)

 

XLI

 

Tudo se pode provar com a Bíblia

 

por exemplo que Deus não existe

 

por exemplo que o Diabo manda mais

 

por exemplo que Deus

 

é masculino e feminino à vez

 

ou que a Virgem tinha um leve capacete

 

basta conhecer um pouco o hebreu

 

para poder lê-la no original

 

e interpretá-la como deve ser

 

é questão de análise lógica

 

Têm razão os antigos cépticos

 

tudo pode provar-se com a bíblia

 

é questão de sabê-la baralhar

 

é questão de sabê-la adulterar

 

é questão de sabê-la trinchar

 

como quem trincha uma galinha:

 

sai outra dezena de cervejas!

XLII

 

A presença do Espírito Santo

 

é um halo nítido no olhar inocente

 

num casulo que está por abrir

 

num pássaro que se balanceia no ramo

 

difícil que alguém possa pôr em dúvida

 

a presença do Espírito Santo

 

num pão recém tirado do forno

 

num copo de água da serra

 

numa onda que se estrela contra uma rocha

 

cego de nascimento teria de ser!

 

até um ateu treme de emoção

 

diante da sementeira que se inclina

 

sob o peso das espigas maduras

 

diante de um belo cavalo de corrida

 

de um volkswagen último modelo

 

o difícil é saber detectá-Lo

 

onde parecia não estar

 

nos lugares de menor prestígio

 

nas actividades inferiores

 

nos mais desesperados momentos

 

aí falha o comum dos mortais

 

quem poderia dizer qu’ O percebe

 

nos achaques da velhice

 

nos enfeites das prostitutas

 

nas pupilas dos moribundos?

 

e no entanto O Indelével nunca falha

 

pois permeia tudo como o sódio

 

que o digam os Padres da Igreja!

 

Genuflexemos uma vez mais

 

em homenagem ao Espírito Santo

 

sem cujo visto nada bom nasce cresce

 

ou tão pouco morre neste mundo.

Nicanor Parra (1914-2018) foi um dos principais poetas chilenos do século XX. Considerado pelo crítico Harold Bloom e o escritor Roberto Bolaño, um dos maiores poetas do Ocidente, influenciou poetas como o beatnik Allen Ginsberg e William Carlos Williams.

 

Parra é o inventor da antipoesia, uma poesia não eloquente, próxima à língua cotidiana, falada nas ruas, irônica, sarcástica e provocadora.

 

O “antipoema” é subversivo pois denuncia as deformações ideológicas, o romantismo exacerbado, as platitudes e o kitsch. Inclui entre seus elementos uma personagem anti-heroica que observa ora o interior das casas ora flana por locais públicos de espaços urbanos e utiliza o humor, a ironia e o sarcasmo para denunciar o óbvio nos absurdos mal ocultados. Sua entonação e sintaxe não obedecem a um modelo literário, a linguagem é prosaica, falada todos os dias e em todos os cantos. A construção fragmentada apresenta uma dissonância que evoca a montagem ou colagem.

 

Recebeu o Prêmio Reina Sofía de Poesia Iberoamericana em 2001, o Prêmio Miguel de Cervantes em 2011 e foi várias vezes indicado ao Prêmio Nobel de Literatura.

 

Desde 1954, quando lançou Poemas e antipoemas, até 2018, quando faleceu aos 103 anos, Nicanor Parra nunca deixou de escrever e publicar, reinventando-se e atualizando-se a cada geração, seja através da poesia, das traduções ou dos seus “artefatos visuais”, com uma obra que revolucionou a literatura de seu país e influenciou gerações de escritores em todo o mundo.

 

Em 1932 mudou-se para Santiago, onde cursou o último ano do ensino médio no Internato Barros Arana, onde iniciou uma amizade com outros estudantes como: Jorge Millas, Luis Oyarzún e Carlos Pedraza. Os dois primeiros seriam escritores e Pedraza pintor.

 

Em 1933 ingressou no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile, onde estudou matemática e física. Enquanto era estudante, trabalhou como inspetor no Internato onde estudou, onde também eram inspetores Millas e Pedraza, circunstância que o ajudou a manter laços com seus antigos colegas de estudos.

 

Em 1935 começou a circular a “Revista Nueva”, entre os inspetores, professores e alunos do Internato.

 

Em 1937 publicou seu primeiro livro: “Cancionero sin nombre”, com 29 poemas. Nessa época o autor tinha grande afinidade com a obra de Federico García Lorca.

 

No início da década de 1940, leu obras de Walt Whitman, outro autor pelo qual teve grande afinidade.

 

Em 1943, viajou para os Estados Unidos e realizou estudos de pos-graduação em física na Universidade Brown, localizada em Providence (Rhode Island), de onde retornou em 1945 para passar a ensinar na Universidade do Chile.

 

Também em 1943, escreveu uma obra de 20 poemas, que seria publicada como “Ejercicios retóricos”, em 1954.

 

Em 1949, viajou para a Inglaterra para assistir a cursos de cosmologia na Universidade de Oxford, de onde retornou em 1952.

 

Em 1954, publicou: “Poemas y antipoemas”. Dentre as obras que o influenciaram para escrever os “antipoemas”, pode-se citar: os filmes de Charles Chaplin, obras surrealistas e os escritos de Franz Kafka, Thomas Stearns Eliot, Ezra Pound, John Donne e William Blake.

 

Em 2011, ele recebeu o Prêmio Cervantes, oferecido pelo Ministério da Cultura da Espanha. 

DOIS CHISTES

 

JÁ NÃO PEDIMOS

PÃO, TETO NEM ABRIGO

NOS CONFORMAMOS

COM UM POUCO

DE

AR

EXCELÊNCIA

___________________

O ERRO CONSISTIU

EM CRER QUE A TERRA ERA NOSSA

QUANDO A VERDADE DAS COISAS

É QUE NÓS SOMOS DA TERRA

 

(De Chistes para desorientar à poesia)

CACHUREO

 

Decidme hijos hay Marx? 

Sí padre: 

………… Marx hay 

Cuántos Marxes hay? 

Un solo Marx no + 

Dónde está Marx? 

En el culo *  

……………… en la tierra  

……………………………. y en todo lugar 

Aleluya? 

Aleluya! 

 

* dice culo …….  léase cielo

 

de Poesía política (Santiago, Bruguera, 1983) 

Poema escrito por Nicanor Parra em defesa de sua irmã Violeta. Publicado pela primeira vez em 1958, tinha 16 estrofes. Após a morte de Violeta, é publicada uma segunda versão, que contém 31 estrofes em 1969.

Acesse as obras do autor

Clique e confira a obra de Nicanor Parra em dobradinha com a poesia de Vinicius de Moraes

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