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A poesia de Pedro Tostes

A poesia de Pedro Tostes

Foi detido, averiguado e apreendido pelas autoridades por porte e comercialização de livros em prestigiosa Fresta Literária. Com a organização delituosa “Poesia Maloqueirista”, entre outros crimes, editou a infame revista “Não Funciona”, que realizou 20 golpes bem sucedidos com mais de 20 mil incidências literárias na primeira década do século. Apesar da aparência dócil e gentil, o indivíduo citado apresenta alta periculosidade. Sua cabeça está a prêmio. Caso o encontre, favor informar às autoridades. 

POÉTICA 

A poesia é mesmo caso sério: 
vez por outra vai parar no cemitério. 
E sempre volta, como um 
zumbi literário. 

A poesia brasileira anda broxa, 
não mata a cobra, 
esconde o pau 
e espera ansiosamente pelo 
próximo edital. 

A poesia brasileira contemporânea 
é esquizofônica; 
uma hora fala duro, 
na outra difícil (e demonstra 
pouca propensão a atirar-se 
de edifícios). 

A poesia brasileira corrente é polida, 
faz foto pro cartaz, gosta 
de ser notícia no jornal, do caderno 
de resenhas, é bonita 
limpinha, correta e erra pouco. 
Fuma mas não traga, 
estupra mas não mata 
e tá sempre em cima do muro. 

O poeta? Que se foda! Ele que morra duro. 

Acesse o Pdf do miolo do livro "Descaminhar", de Pedro Tostes. Primeira edição, publicada pela Annablume em 2008, mil exemplares, já esgotada.

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MEDUSA

Dias cinzas, dias frios 
que espalham sobre as folhas 
a fuligem, 
não façam desse canto 
mero desencanto na luta 
do homem contra a Górgona 
das engrenagens contínua; 
mas brado de guerra 
retumbante, retomando 
os territórios do sentido. 

Pois do alto de arranha-céus 
eu vi tuas serpentes 
se espalhando pelo solo 
– Anacondas sufocando 
os pesares nas carruagens 
do tempo comprimido entre 
as agendas. 
Vi homens e mulheres 
tomando pílulas de alívio 
e felicidade, irmãos 
rotos de esperança 
buscando restos no lixo 
e fazendo companhia aos 
ratos, vi cérberos 
adestrados latindo contra 
inocentes, templos 
erguidos ao Céu como 
monumentos do caos e em 
todos os cantos era 
possível ver suas marcas. 

As ruas tomadas de 
estátuas inertes 
caminhando – homens de pedra 
no cachimbo se perguntam 
na angústia o que sobra 
dessa dor – comprovam 
que a besta-fera domina 
esta paragem 
& destrói & destroça 
tudo aquilo que encosta 
– torna concreto 
o desencanto secreto 
do ser. 

Sigo no contrafluxo 
do tempo que sufoca os irmãos 
iludidos pela sua imagem 
no espelho; 
me perco em seus recantos: 
Anhangabaú, Carandiru, Tietê 
Tucuruvi, Butantã 
– nheengatu esquecido nas esquinas. 
Eu sou o genocídio indígena, 
sou Sepé Tiaraju & Borba Gato 
& tenho nas mãos o sangue dos meus antepassados. 

Tupiniquim de Araque 
não confundo mais o cheiro da selva 
com o óxido carbônico de tuas serpentes: 
tu, monstro ctônico, cavalgada e cavalgante 
sobre nós se constrói 
pedra sobre gente sobre pedra 
sobre gente sobre gente sobre 
pedra sobre pedra sobre gente 
soterrando os sentidos. 

Por sobre os prédios vejo 
Éris dançando ao alvorecer 
seu balé diário; 
eternos retornos apertados 
nas lotações, vias & subterrâneos 
do teu Hades; 
sextas histéricas na volúpia da busca 
vazia, repleta de hiatos buscando 
no gozo dionisíaco 
a argamassa que preencha; 
fins de semana, desespero 
do sossego que antevê uma 
segunda depressiva 
para Sísifo; 
pequenas tragédias diárias 
traçam retratos de Pompeia. 

Quem entra e corrói 
no cerne das horas 
o fundo do humano? 
Quem manda e a 
mando de quem 
que se mata 
de frio de fome 
de bala 
qualquer irmão? 
Por quem 
dobram os Sinos 
da Sé? 

111 chacinas diárias 
21 milhões de seres empedernidos 
457 telefonemas não atendidos por segundo 
232 estupros registrados por mês só na capital 
1 trilhão de saudades 
12 crises de choro por dia 
7 bilhões de angústias 
e em cada pessoa 
transformada em estatística 
eu sinto a sua presença. 

O cheiro se alastra 
pelo templo que é o corpo 
e é o mundo também e logo 
ouço o tremor no chão 
com o peso dos seus temores 
monstro à espreita 
teu fino exército frio 
engravatado 
tecendo as mordaças, 
vidas desperdiçadas 
na miséria ou no luxo; 
mas se Perseu sou eu 
com que espada é que luto? 
tenho apenas minha pena 
de ser torto e ter devir; 
era pra ter escudo 
mas nos deram espelhos 
eis que encaro seu reflexo 
e vejo a face da besta: 
era eu que ali estava 
parado atrás de mim. 

Cada fera tem seus mistérios 
e a ti não deveria olhar 
por não saber o que veria 
e já que não te enxergo 
me guio pelas sombras 
e pelos ecos do teu ser; 
não se sabe se é sina 
ou ilusão a simetria entre 
o homem e a besta, 
mas quando o perigo 
se aproxima não hesito 
e arranco a cabeça 
da Górgona enquanto 
caio morto no chão. 

E tudo que era você 
e aquilo que te cercava, 
suas raízes podres que daqui 
se espalhavam lentamente 
definham e desmancham 
demolem cada alicerce 
de tua torta estrutura. 
E a chuva que desaba dos céus 
alaga tuas ruas e esquinas 
submersa a cidade desafoga 
e das cinzas dos teus dias 
surgem flores de Afrodite 
que saúdam o novo tempo 
mesmo no cheiro de podre 
pois é da morte que surge 
vida nova em teu solo. 

Entrevista com Pedro Tostes

O poeta Pedro Tostes fala sobre seu novo trabalho, Na Casamata de Si, sobre suas andanças, um pouco de sua história e como sobreviver com versos. Uma conversa descontraída em entrevista exclusiva à Revista Arara.

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