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Carolina de Jesus, a autora “improvável”

Carolina de Jesus, a autora “improvável”

Nascida em Sacramento, Minas Gerais, numa comunidade rural, Carolina Maria de Jesus deixou a escola muito cedo, no segundo ano do fundamental, interrompendo seus estudos em função de sua condição social. Sabia ler, escrever e havia desenvolvido gosto pela literatura. 
 
Vítima do racismo desde cedo, foi injustamente acusada de roubo e presa juntamente com sua mãe. Após elucidado o caso, fora da prisão, sabe que não poderia mais ficar ali e abandona o lar. Alguns relatos publicados relacionam sua mudança à morte de sua mãe. 
 

Fugindo da perseguição e preconceito, migrou para São Paulo, e viveu na favela do Canindé, após as remoções das populações de rua de São Paulo no governo de Ademar de Barros, de onde provavelmente retirou a noção de despejo que iria inspirar seu best-seller. Trabalhou como catadora de lixo e construiu sua própria casa, usando madeira, lata, papelão e qualquer outro material que encontrasse. Saía todas as noites para coletar papel a fim de conseguir dinheiro para sustentar a família. Quando encontrava revistas e cadernos antigos, guardava-os para escrever em suas folhas. 

“Descoberta” em uma praça vizinha à comunidade, onde percebeu que alguns adultos estavam destruindo os brinquedos instalados para as crianças, ameaçou: “Saiam ou eu vou colocar vocês no meu livro!”.
A cena foi presenciada pelo jovem jornalista Audálio Dantas, em abril de 1958, enquanto cobria a abertura de um pequeno parque municipal. Dantas iniciou um diálogo com a mulher perguntando o que ela queria dizer com aquilo. Carolina o levou até seu barraco e mostrou tudo. Eram os cadernos catados que serviam para dar vazão aos diários e anotações da autora. O jornalista pediu uma pequena amostra e correu para o jornal.
A história de Carolina “eletrizou a cidade” e, em 1960, Quarto de Despejo foi publicado. A tiragem inicial de 10 mil exemplares se esgotou em uma semana, chegando ao total de cem mil exemplares vendidos, na segunda e terceira edições.
Durante muito tempo as obras da autora, nascida em 14 de março de 1914, se esgotavam com rapidez impressionante até mesmo para os dias atuais, chegando a mais de duas mil cópias por dia.
Logo seus livros ganharam o mundo. Traduzida para mais de 15 idiomas e com “Quarto de Despejo” vendido em vários países, como Japão e Hungria, Carolina tornou-se a autora negra mais lida no mundo inteiro.
Por abordar a miséria, a situação do negro e os problemas sociais do Brasil, suas obras vêm sendo tema de inúmeros debates e polêmicas. Como o inexplicável “boicote” a escritora após sua morte em 1977, atribuído a um preconceito travestido de academicismo conservador, que só vê arte naquilo que segue pretensas fórmulas eurocêntricas. Eram contumazes as acusações de que seus escritos teriam sido um golpe de marketing do jornalista Audálio Dantas, poeta e escritor, importante ativista que seguiu carreira política. Quando encontrou com Carolina trabalhava para a Folha de São Paulo.

“…. Há de existir alguém que lendo o que eu escrevo dirá… isto é mentira! Mas, as misérias são reais.” Carolina de Jesus

À época, autores como Manuel Bandeira saíram em defesa da autora. O relato literário recebeu críticas e comentários de escritores e intelectuais como Sérgio Milliet, Rachel de Queiroz, Pablo Neruda e Octavio Paz.
Recuperar a memória da autora, confrontar-se com seus escritos e o poder descritivo de sua narrativa, é encontrar a realidade crua, sem o distanciamento e a maquiagem do discurso oficial, onde a história da difícil trajetória da população pobre e negra no país é invisibilizada e distorcida.
A força da autora, pioneira no empoderamento da mulher negra favelada, está não só em seus livros, mas em suas canções e em seu jeito irreverente de caçoar da hipocrisia e do racismo.
Carolina publicou ainda mais três livros: Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963), Provérbios (1963). O volume Diário de Bitita (1982), publicação póstuma também oriunda de manuscritos em poder da autora, editado primeiramente em Paris, com o título Journal de Bitita, que teria recebido, a princípio, o título de Um Brasil para brasileiros. Em 1997, o pesquisador José Carlos Sebe Bom Meihy, autor do volume crítico Cinderela negra, em que discute a vida e a obra da autora, reuniu e trouxe a público um conjunto de poemas inéditos com o título de Antologia pessoal. Todavia, nenhuma destas obras conseguiu repetir o sucesso de público que Quarto de despejo obteve. De acordo com Carlos Vogt (1983), Carolina Maria de Jesus teria ainda deixado inéditos dois romances: Felizarda e Os escravos.  
 
Assista para saber mais
Biblioteca Carolina Maria de Jesus

Na década de 2000, foi inaugurado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, o Museu Afro-Brasil, cuja biblioteca leva o nome de Carolina Maria de Jesus. A biblioteca possui cerca de 6.800 publicações com especial destaque para uma coleção de obras raras sobre o tema do Tráfico Atlântico e Abolição da Escravatura no Brasil, América Latina, Caribe e Estados Unidos. A presença afro-brasileira e africana nas artes, na história, na vida cotidiana, na religiosidade e nas instituições sociais são temas presentes na biblioteca. Várias destas obras raras estão disponíveis para leitura 

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