“Fumo”: livro do músico Juliano Costa, lançado pela editora Patuá, leva o leitor para dentro da cabeça de ex-fumante reticente

“Fumo”, primeira obra do músico paulistano, é o diário de alguém que tenta parar de fumar, mas acaba gostando tanto de escrever sobre cigarro que passa a questionar sua decisão

 

“Inspira fundo. Puxa todo o amor pra dentro de você e agora solta tudo, num longo sopro, manda todo o amor pro mundo.”.
Trecho de “Fumo” (pág. 59)

 

“Longe da pretensão confessional dos diários íntimos ou de qualquer autoralidade forçada, Fumo, a ficção diária de Juliano Costa, é um sagaz e divertido exercício literário.”

Roberto Alves, que assina a orelha da obra

 

Juliano Costa (@julianofmcosta), músico, escritor, marceneiro e fumante paulistano, debruçou-se sob um diário para relatar sua rotina enquanto registrava os primeiros dias de uma vida sem nicotina. Durante o processo, se encontrou mais empenhado em sua escrita que na tentativa de deixar o cigarro. Ao longo das páginas e dos dias, a dúvida nasceu: escrever para parar de fumar ou fumar para continuar escrevendo? Daí surgiu o seu primeiro livro, “Fumo” (Editora Patuá, 120 páginas). Escrito como um romance em forma de diário, a obra tem como principal tema a relação do personagem com o ato de fumar e o domínio exercido por esse objeto sedutor na vida do fumante, desdobrando-se também em assuntos como amizades, trabalho, rotina e sonhos. 

 

“Em 2021 tentei parar de fumar e li que uma estratégia seria criar um diário sobre esses dias, para escrever sobre o que estava sentindo a cada dia de abstinência e marcar o progresso da tentativa”, relata Juliano. “Comecei fazendo isso mas no quarto dia sem fumar, estava muito mais interessado nesse diário do que de fato na tentativa de parar. Eu passava o dia todo pensando em o que poderia escrever no diário o que atrapalhou o processo de parar de fumar. Então decidi voltar a fumar e continuar escrevendo sobre o tema”, conta.

 

Mesmo fictício e propositalmente fantástico, o livro tem passagens familiares a todos que já tiveram um cigarrinho como companhia. O diário acompanha o protagonista ao longo de 30 dias. Nesse mês, ele registra suas agonias e pirações a partir do dia em que decidiu parar de fumar. O herói, assim como seu criador, se encontra fascinado por conversar com o diário a respeito do cigarro e passa a questionar a escolha de rejeitar o vício. Sem conseguir se livrar da sombra projetada pela falta de nicotina, passa a enxergar cigarros todos os segundos de seu dia. Ele sonha acordado e traz à tona recordações de momentos pitorescos que sempre envolvem o tabaco enrolado num papel com filtro. De preferência, um Marlboro Vermelho, favorito do personagem. 

Em um trecho do livro situado na página 68, o personagem compara o ato de parar de fumar como uma prova de resistência do BBB: “Só que essa não acaba nunca e você nunca ganha, só fica lá resistindo até desistir ou morrer. Não tem vitória. Ninguém oficialmente venceu a luta contra o vício. A pessoa pode, no máximo, estar vencendo. (…) Parar de fumar é uma eterna tentativa, a outra opção é perder. Perder, sim, é possível. Aliás, provável. Fumou, perdeu. Pronto.”

Capítulos pontuais ainda fazem uma digressão à vida do personagem. Em um primeiro momento, traz uma pesquisa rápida com informação sobre a história do tabaco e pouco depois, ousa quebrar a parede para conversar com o revisor e preparador do livro Roberto Alves, que assina sua orelha. O escritor traça uma jornada pouco convencional, mas divertida e consciente ao explorar o tema, especialmente quando contrapõe o prazer e cuidado à saúde, essas forças antagônicas que sufocam a vida do fumante. Ainda servindo um pingue-pongue com a fantasia, presta citações e referências a figuras públicas que incluem o reality-show “Vida a Bordo” e chegam até Caetano Veloso, passando pela cultura pop em “Harry Potter” e “Vingadores”. 

 

Juliano gosta de escolher e encaixar as palavras da maneira mais simples possível, mas faz isso construindo cenas precisas e fáceis de serem imaginadas. Entre suas principais referências, estão brasileiros contemporâneos, apontando nomes como Marcelino Freire, André Sant’Anna, Antonio Prata, Eliana Alves Cruz. “Escrevo desde os 20 anos mas nunca gostava do que eu escrevia. Em 2012 fiz um curso com o Marcelino Freire e isso mudou minha relação com a escrita. Desde então venho fazendo algumas experiências para achar um jeito legal de escrever.”

 

Nascido em 1990, em São Paulo, Juliano, como músico, já lançou, pelo projeto Primos Distantes, os discos Primos Distantes (independente, 2014) e Primos Distantes Ao Vivo (EAEO records, 2015). Em carreira solo, lançou o álbum visual A Trilha da Trilha (independente, 2020), o disco Barco Futuro (selo Ei Som, 2021).  Também está trabalhando em seu próximo disco solo, Vida Real, com previsão de estreia para 2024. Como escritor, no momento, participa de um projeto que homenageia a Navilouca ─ revista de poesia e arte que circulou no Brasil numa edição única em 1974. Além de “Fumo”, o autor publicou um conto no livro “Leia esta canção: Beto Guedes”, da editora Garoupa, uma coletânea de histórias inspiradas na obra de Beto Guedes, músico montes-clarense e notório membro do Clube da Esquina.

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Fumo é o diário de alguém que tenta parar de fumar, mas acaba gostando tanto de escrever sobre cigarro que passa a questionar sua decisão. Ao longo das páginas e dos dias, a dúvida que surge é: escrever para parar de fumar ou fumar para continuar escrevendo?