Alice Souto nos apresenta “Nuvem Colona” de Gustavo Matte lançado este ano (2019) pela Caiaponte Edições. Trata-se do segundo título da editora onde o autor constrói seu romance a partir dos relatos de suas personagens em forma de entrevista para contar a história do coletivo de artistas que dá nome ao livro revelando ao mesmo tempo os aspectos da trupe interiorana e o cenário “underground” dos anos 90.
Quem acha que a vida é muito curta para ler prefácio de livro vai abrir o “Nuvem Colona” e acreditar que é um livro de entrevistas sério. Talvez até pense: “Nossa eu estava mesmo por fora. Nem sabia da existência desse movimento literário incrível na região sul do Brasil dos anos de 2010”. Mas é tudo mentira. A Nuvem Colona é um devaneio do escritor Gustavo Matte. As entrevistas são ficcionais e até o título do livro é meio roubado. A Nuvem Colona remete à Nuvem Cigana, um movimento artístico literário ligado a poesia marginal no Rio de Janeiro surgida em meados dos anos 70. Mas em Chapecó, [terra natal do Matte], a notícia só foi chegar muito mais tarde, porque nessa época ainda era tudo colono e mato.
Me parece que Matte, nesse livro, formalizou seu delírio de ter sido convidado para aquela balada histórica da poesia marginal. Uma fantasia comum, diga-se de passagem, aos excluídos dos rolês em geral, por vários motivos, como morar em uma cidade “que não tem nada” ou não ter nascido ainda. Eu, mesmo sendo carioca, passei a maior parte da vida “por fora” e “longe de tudo” porque venho de um bairro periférico onde, assim como Chapecó, demorou para chegar a MPB e o Shopping. Então muitas vezes me peguei imaginando: como teria sido fazer parte daquele badalado passado tropicalista? Quem não queria ter morado naquela casa dos Novos Baianos? O que faz do livro um negócio passadista e futurista ao mesmo tempo, uma vez que se trata de uma história ficcional que começa no passado, termina no futuro, mas sempre falando de um sentimento presente. E, na literatura do Matte, isso tudo com um sotaque sulista “dos interior tudo”, de Chapecó, Erechim, Curitiba, Passo Fundo… O que dá um tom único ao texto!
No livro, a ficção se mistura à realidade com diversas referências à cena artística regional underground (anos 90). Inclusive, com links preciosos de shows do meio musical ícones desta geração, como Banda Repolho e os irmãos Panarotto. As histórias dos personagens, teoricamente ficcionais, tem super “fundo de verdade”, o que faz o livro ser divertido e engraçado, cheio de causos bem-contados. Parece que toda a forma que ele é montado com pesquisa, corte, colagem e recriação por cima remonta a estética dos fanzines da geração do mimeógrafo. Eu mesma senti o cherinho do ácool!
E por falar em cachaça e balbúrdia, acho que nos tempos de hoje a gente tem mais é que se inspirar “nos doidão” daquelas épocas. Adorei perceber que há pouco tempo esteve por aqui (escrevo desde Chapecó) uma galera bem menos careta que hoje. E eles tocavam o zaralho! Aliás, o livro, ao sintetizar e desenhar tão bem um bocado de ideias, acaba se tornando ele próprio um projeto cultural. Depois de ler, dá muita vontade fazer a coisa acontecer. E tá em tempo! É momento de ocupação na Universidade Federal. Já começamos por aqui em Chapecó fazendo o sarau Nuvem Colona e mas um monte de eventos acontecendo. Sem essa de lamentar não ter sido convidado para a festa do centro. As periferias todas já estão produzindo seus rolês culturais! No livro está escrito e é uma delícia. Bora fazer download dos sonhos da Nuvem. Tem tudo para a realidade ser ainda melhor que a ficção!
Alice Paiva Souto é natural do Rio de Janeiro e moradora da cidade de Chapecó. É psicóloga, produtora cultural e poeta. Graduou-se pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fez pós-graduação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com pesquisa de doutorado relacionada à criação literária de adolescentes de regiões periféricas do Rio de Janeiro. Na área da produção cultural atua desde 2009 na produção de saraus literários, eventos de artes integradas e projetos sociais com oficinas literárias. Como poeta possui três publicações independentes e artesanais (fanzines): \”Traça a Traço\” (2012), \”Poesia Auto-Sustentável\”(2013) e \”Beijo Azul\” (2015) e tem realizado performances de poesia falada desde 2009 participando de eventos e dado oficinas área da literatura. Em Chapecó foi proponente do “Saraucária – O sarau” contemplado pelo edital Verão Cultural patrocinado pela Secretaria de Cultura de Chapecó. Integra e produz o Coletivo Manivas (Música e Cultura Popular). Também produz de forma independente o Sarau Nuvem Colona no bar do Zé (centro de Chapecó).
Gustavo Matte nasceu em Chapecó em 1986 e mudou-se para Porto Alegre/RS. Desde adolescente esteve envolvido com música, teatro, quadrinhos, cinema e literatura, tendo publicado e distribuído, em Porto Alegre, uma série de fanzines intitulada Polpa. É autor do romance Demo via, Let´s go! e do ensaio Menos tropical e mais tropicalista: subtropicalista!, ambos publicado pela Editora Kazuá, em 2017
A primeira tiragem do livro esgotou!
Mas ainda tem gente que me procura querendo as peripécias da Nuvem. O livro é jovem, noviço, tem muita estrada pela frente e muitos leitores pra descobrir no caminho. Imagina que triste se o livro deixar de chegar ao destino (as pessoas que ainda não conheço, mas para as quais foi escrito) por falta do próprio livro? Triste demais…
O dilema é que a Caiaponte é uma editora independente e pequena, sem capital de giro, e não temos a grana pra bancar a impressão da tiragem mínima. Por isso, optamos por esta campanha, e no melhor estilo “teste cardíaco” – tudo ou nada: se não atingimos a meta, perdemos todo o dindin. Mas vamos, que a Nuvem nasceu assim, na raça e na aventura, e não tem dia ruim pra essa luta.
As recompensas são variadas e pra todos os gostos, desde exemplares do livro até trabalhos meus anteriores (Demo Via) e spin-offs da Nuvem. Preparei duas “bonus tracks” para contemplar aqueles que já leram o livro, mas ficaram com vontade de mais: uma entrevista EX-CLU-SI-VA com Rony Adriano antes da fama e uma edição digital do clássico “Que que deu no motor da Kombi?”, o livro de poemas do Lico que é considerado o trabalho mais importante do coletivo. Não tá bom demais!?
E tem mais: vamos aproveitar o ensejo para fazer uma segunda edição do ensaio “Menos Tropical e Mais Tropicalista: Subtropicalista“, que escrevi em 2016, publiquei em 2017, circulou muito e acabou rapidinho! A nova edição será revista e ampliada, trabalhando aspectos que julgo desatualizados ou mesmo errados e, possivelmente (se o formato permitir), adicionando materiais extras, como palestras ou entrevistas que produzi ao longo dos últimos anos e ampliaram minhas formulações sobre a cultura urbana no Oeste de Santa Catarina.
Por enquanto, é só. Um abraço a todos. Conto com vocês!
Gustavo Matte