No entanto, de relação aos assovios, posso muitíssimo bem prestar depoimento, isto porque todos nesta cidade sabem que um certo tipo de assovio, antes muito ouvido por aqui, podia contar como uma espécie de aviso, porque lá vinha miséria. Acúrcio mesmo, depois que ele já tinha metido no juízo de Acúrcio casar com Isabel Rosália e morar com a mãe lá dela, dona Aurora, que só não se podia chamar de jararaca porque a jararaca tem a natureza mais cortês. Por aí o senhor tira a natureza de dona Aurora. Pois Acúrcio garante que, na hora do pedido de casamento, ele ouviu aquele assoviozinho como que de curió, assim no pé do ouvido bem lá dele. A consciência cochichou: atenção nos assobeios, que possa ser Gildélio. Mas aí é que está o particularismo da situação. Na hora, o sujeito não dá importância ao assovio, de forma que a desgraça fica feita. A mesma coisa pode ser dita dúzias e dúzias de vezes, como no caso de Genival, esse mesmo que o senhor está pensando, que vem ouvindo esses assovios toda vez que se candidata, desde vereador aqui até prefeito, deputado, vai a senador — quer dizer, chegando em todas as alturas políticas, não tem quem salve ele do inferno. Como no caso de Totonho, para mim ele continua a ser Totonho, lá fora é que chamam de doutor, doutor para mim é ourinol, não vou chamar de doutor um moleque daquele, que eu vi o pai muitas vezes passando cabresto em jegue alheio nos pastos, ora me deixe. O caso dele é que hoje, de grau em grau, é dono de altos bancos e altíssimas fábricas e é empregador — que ele chama empregador e não gosta que chamem de patrão, por causa do natural acanhamento — de diversas pessoas, porém sempre ele ouvindo o assovio de Gildélio, quanto mais dinheiro ele vai ganhando. Tem uns dinheiros de viúvas que ele também arrecada e escreve numa caderneta e esses incrementam muitíssimo a assoviação. Deixe ele.
Fala-se em Gildélio também, quando, por uma razão ou por outra, a pessoa se engana com alguém e pega esse alguém com a boca na botija em alguma desgraceira contra si, isto porque, segundo se diz, seu Gildélio me comete as piores safadezas por entre os disfarces mais descarados e as mais altas finuras. O sujeito pega ele armando uma sacanagem e ele faz o seguinte discurso:
— Creia, meu senhor, neste mundo é muito fácil condenar e ainda mais fácil ignorar. O senhor me compreenda, eu sou diabo, é uma fatalidade, o que é que se pode fazer? Alguém tem que ser diabo, havemos de convir. Vamos compreender. Não se condena pela profissão, sem conhecer o caráter. Se eu fosse anjo, está certo. Mas eu não sou. De forma que só posso fazer esse tipo de coisa, o senhor por fineza queira relevar. Posso garantir que, se o senhor fosse diabo, estava na mesma situação, firuri-firuri.
Bom consolo, pode o senhor dizer e, de fato, nada disso ia impedir que a desgraceira fosse feita. Pelo contrário, acho que nisso vai a demonstração de que Gildélio pode ser o exemplo de todos os diabos, pois devia ser verdade conhecida que nenhum assovio ou até apito de trem vai desviar o homem de seu mau destino. De maneira que podemos considerar esses assovios na qualidade de deboche, mesmo porque a situação aqui é de molde que, se o urubu de baixo está cagando no de cima, isso se descreve como boas notícias. É assim que vemos as coisas pretas, Deus é grande. Aliás, podia chegar uma banda de assoviadores que nada se alterava, pois desde que este mundo é mundo que existe um assoviador, sem que ninguém devote a ele preocupação, porventura senão um maestro ou outro, para lhe comunicar que o seu dó maior enganchou no si bemol.
Não sei de nada, até nem sou daqui e, mesmo que fosse, não estava aqui e, mesmo que estivesse, não falava nada. Estou ficando nos paraxismos, a culpa é sua, que me deu álcool. Estou sabendo apenas que esse diabo tanto atanazou a vida do meu compadre Tito Procópio que esse compadre, ouvindo embora os assovios, fez mais filhos do que devia a consciência consentir, pois afirmava Tito Procópio que o filho era a riqueza do pobre, convencimento este assoprado pelo Gildélio mencionado. Sendo que Gildélio, que tinha se provado amigo da família, tudo bem disfarçadinho, mostrou que não ter filhos ia ser bem pior. Além de ser maldição, exibia aos vizinhos gala fraca ou mulher maninha e, mais do que importante, podia ser – estou dizendo assim: sempre podia ser, às vezes possa ser até que não podia ser, que eu não sou comunista – podia ser que, sem mais gente para ajudar na produção, podia ser que eles não pudessem mais ficar ali, naquelas terras que não eram deles. Considerado isso, lembre que tanto faz nascer como não nascer, que a comida não aumenta, mas a produção pode aumentar. E tal e coisa. E só os assovios. Pois então Tito Procópio foi tendo filhos, juntamente com despesas de enterros diversos, muito embora tenha feito muitos que viviam ali mesmo, comendo o barrinho deles e esfregando as barriguinhas d’água deles e dois ou três quem sabe se não pode vir a ser até peão, se forte?
Terminou, naturalmente, que Tito Procópio desmascarou Gildélio e se preparou para envergonhar esse diabo, quando ele então começou com a história de que culpa ele tinha se ele era diabo. Mas logo eu, disse Tito Procópio, logo eu, que sou pobre e nada possuo nesse mundo? Podendo vosmecê ir infernar quem por aí explora e torpedeia?