Publicado pela editora Reformatório, novo romance de Maria Eugênia Moreira discute o suicídio a partir da perspectiva da maternidade

Autora de “Três Palmos” (Penalux, 2021), Maria Eugênia Moreira se lança à investigação de uma mãe que sobrevive ao suicídio do próprio filho em “Os pares de sapato não acompanham as quedas”

“Direta ao fato como numa queda brusca. Assim é a escrita de Maria Eugênia M. que, sem devaneios ou necessidade de criar suspense, vai do início ao fim em poucas palavras nos levando com ela a cada baque. Basta ler a primeira página de Os pares de sapato não acompanham as quedas para entender que o calendário da narradora é marcado pelo antes e o depois da morte do seu filho. E que o que segue será um diário ou uma alucinação que mistura diversas perspectivas de uma mesma realidade.”

Rita de Podestá, autora de Zaranza (2021), na orelha

Loucura, culpa, luto e, “basicamente, tristeza”. São essas as palavras que a estudante de Psicologia Maria Eugênia Moreira (@mareugn), que estreou na ficção com “Três Palmos” (Penalux, 2021) usa para descrever seu novo romance, “Os pares de sapato não acompanham as quedas” (2023, 67 páginas), com publicação pela editora Reformatório.


Numa escrita que mescla a narrativa ao diário, o livro traz a experiência de uma mãe que perde o filho aos 29 anos para o suicídio. Muito inspirada na história trágica do escritor carioca Victor Heringer, influência tanto literária quanto acadêmica da autora, “Os pares de sapato não acompanham as quedas” tem seu enfoque na trajetória dos que ficam, cujo luto e desorganização psíquica nos convidam a participar, com a personagem, a sua própria investigação em torno do ocorrido.


Segundo Moreira, “o livro nasceu de um pensamento persecutório, de uma necessidade de esclarecimento sobre como acontece um suicídio, como se dão todos os minutos que precedem e suscedem a tragédia”. Ela também comenta que a escrita de “Os pares de sapato não acompanham as quedas” tem seu contorno pessoal, relacionado à elaboração de um luto familiar. O encaminhamento da história, entretanto, tomou outro rumo. “No fim acabou sendo uma tentativa de superar o meu sofrimento com outro muito maior, mesmo que fictício.”

Para ela, o processo de escrita tem uma finalidade quase terapêutica. “Comecei a escrever quando fiquei triste verdadeiramente pela primeira vez. Desde então funciona assim: como quem chora até não conseguir mais, eu escrevo.”


Apesar do processo pouco linear e organizado, a produção da autora carrega consigo referências já consolidadas, caso do próprio Victor Heringer, cuja obra “O Amor dos Homens Avulsos” motivou também a pesquisa de TCC de Moreira pela PUC/SP, escrita ao mesmo tempo em que o romance.


Entretanto, ela também cita os escritores Marçal Aquino, João Tordo, Rita de Podestá — sendo a última autora do texto de orelha de “Os pares de sapato não acompanham as quedas” —, como inspirações importantes.

Confira um trecho da obra:

“As pessoas temem me contrariar, não questionam mais as coisas que faço e facilitam essa loucura. E nem imaginam os absurdos que já cometi, principalmente nesse apartamento. Coisas como: escovar os dentes com a escova do meu filho morto, passar o batom que encontrei no fundo do seu armário, que devia ser de uma de suas ex-namoradas, espirrar o seu perfume nas plantas do prédio, jogar pela janela uma foto minha recente e depois uma de Heitor e sua nova família — não pela janela da sala, de onde Marcos se jogou, mas pela janela do quarto. Quando perguntam de mim, são sempre poucas perguntas, no máximo três.”

Maria Eugênia Moreira: escrever como quem chora

Maria Eugênia é escritora e graduanda em Psicologia na PUC-SP. Criada na divisa dos três estados (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), a autora sofreu desde cedo a influência da literatura local. “Os pares de sapato não acompanham as quedas” é o seu terceiro livro publicado. Atualmente reside na cidade de São Paulo, onde estuda e faz a vida.


A autora conta que escreve desde os 14 anos, mas de maneira pouco linear. “É um processo de escrita independente, ele começa e termina sem que eu precise fazer o esforço da disciplina. É estranho falar isso, mas é verdade. Funciona como um espasmo que logo vai embora”, justifica.


Para ela, os grandes gatilhos para a escrita são o sofrimento. Ela conta que começou a escrever apenas “quando ficou triste pela primeira vez”, e vem sendo assim desde então. “Funciona assim: como quem chora até não conseguir mais, eu escrevo. Só sei assim, quando não estou muito legal.”, comenta.