Hugo Iora publicou E sem demora: (versos diversos num liquidificador), pela editora Insular, e em 2019, de forma independente, Balada Desafinada e outros concertos; ambos de poesia.
CRIME DE CINEMA
Plantei uma ideia louca,
Colhi solidão
Já em buquê… Então
Aderi-me à poética rouca.
Pra quê?!
Se nos cinemas morre o filme.
E nos varais a roupa não é pouca.
Vi a realidade em cesta de vime
E nada pude fazer
Quando o fazer tornou-se crime…
Sensação que aos olhos transborda,
Sobretudo àquele que a reprime
Antes mesmo de chegar à borda
Do abismo, cujo chão
É um coração
Pisado.
Esfarelado.
Restos não lembrados
Dentro
De um seco saco de pão.
DOU-ME UM NOVO NOME
Dou-me um novo nome
Que eu mesmo inventei.
Qualquer um, diferente daquele com
[o qual me batizei.
Um nome que seja dito!
Um que seja chamado!
Fiel na flor do idioma, sem jamais
[ser desmanchado!
Dou-me um novo nome,
De urgentes fonemas.
Que finalize os créditos de um
[sucesso dos cinemas.
Um nome nu de sílabas!
Um que, à boca, deságue!
E tinja de mel a garganta! E não mais
[careça de enxágue!
Dou-me um novo nome.
Hábil, de furtar segredo…
Um que no estalo da língua extinga
[os sinônimos do medo.
Um nome para o verão!
Um que abrace inverno!
Que aqueça o meu corpo com a brasa
[colhida do inferno!
Dou-me um outro nome
Para não pecar repetição.
Mas que consigo carregue as falas
[várias do teu coração.
DESESQUECIMENTO
Memorizo
Pela última vez
Teu rosto…
Para quando
De mim
Perder-se ele
Eu tenha consolo
Que impeça minha chama
De se apagar totalmente.
Memorizo
Pela última vez
Teu rosto…
Para os dias
Em que minhas frases
Falharem o encanto
E a imprevisibilidade.
Memorizo
Pela última vez
Teu rosto…
Guardando-o
Nos bolsos
Enquanto cruzo a cidade
Com meus joelhos
Inflamados de vaidade.
Memorizo
Pela última vez
Teu rosto…
Mesmo que pra isso
Tenha de mirar-te
Qual um caçador
Ante sua frágil presa.
Memorizo
Pela última vez
Teu rosto…
Já que podes amanhecer
Em outro par de braços
E não serei mais eu o homem
A pôr a mesa.
CONTRA O SOL
O sol
Reflete a minha
Cara.
Acende
Meu corpo
Pro mundo.
Cavo
Um buraco
Fundo
E escondo
Nele
Uma tara.
Mas
Não repara
Acaso
Meu jeito meio raso
De conduzir as coisas
Vencer do prazo…
É que
Sou planta
Silvestre!
E não flor de vaso.
O sol
Reflete em minha
Cara.
Ascende
Meu corpo
Ao mundo.
Traz
Um silêncio
Fecundo.
E o pulso
Num só impulso
Dispara.
Mas
Não repara
As coisas que aceito.
Nem as que nego!
O mesmo sol que ilumina
Dependendo do ponto de vista
Pode fazer-te cego.
EFÊMERO
Subtraio do cotidiano
Estrofes supérfluas…
E traio
Minha língua materna
Com uma estrangeira qualquer… de verbetes enxertados nos lábios
[e nas notas de rodapé.
Experimento vícios… Vetos… Verso
Coeso!
Buscando sair deles parcialmente
Ileso.
Acumulando bagagem
Para novas peregrinações do sem-rumo…
Dispenso o aprumo.
O elogio cosmético.
E o nome que não assumo.
Em nada tem a ver essência e aparência!
Esta última — transitória —
Em algum momento fracassa
E acaba de caçadora
À pobre caça.
Huggo Iora (pseudônimo de Victor Hugo Pinheiro) nasceu em Florianópolis/SC. Formou-se em educação física — da onde tira seu sustento — pela universidade estadual, no entanto sua paixão visceral sempre foi a escrita. Publicou no ano de 2018 E sem demora, pela editora Insular, e em 2019, de forma independente, Balada Desafinada e outros concertos; ambos de poesia. Casado e pai de dois filhos, atualmente dedica-se à produção de contos e tarefas do lar.