Poemas de Solano Trindade
Poeta, folclorista, pintor, ator, teatrólogo, cineasta e militante, Solano Trindade tornou-se um dos nomes mais fortes da literatura brasileira. O escritor recifense traz em sua obra as reivindicações sociais dos negros em busca de melhores condições de vida. Alguns de seus títulos de destaque são ‘Poemas d’uma vida simples’ e ‘Cantares ao meu povo’
Tem gente com fome
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Pisiuuuuuuuuu
(Cantares ao meu povo, 2.ed., p. 34-5)
Navio Negreiro
Lá vem o navio negreiro
Lá vem ele sobre o mar
Lá vem o navio negreiro
Vamos minha gente olhar…
Lá vem o navio negreiro
Por água brasiliana
Lá vem o navio negreiro
Trazendo carga humana…
Lá vem o navio negreiro
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de poesia…
Lá vem o navio negreiro
Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência…
(O poeta do povo, p. 45)
Velho atabaque
Velho atabaque
quantas coisas você falou para mim
quantos poemas você anunciou
Quantas poesias você me inspirou
às vezes cheio de banzo
às vezes com alegria
diamba rítmica
cachaça melódica
repetição telúrica
maracatu triste
mas gostoso como mulher…
Triste maracatu
escravo vestido de rei
loanda distante do corpo
e pertinho da alma
negras sem desodorante
com cheiro gostoso
de mulher africana
zabumba batucando
na alma de eu…
Velho atabaque
madeira de lei
couro de animais
mãos negras lhe batem
e o seu choro é música
e com sua música
dançam os homens
inspirados de luxúria
e procriação
Velho atabaque
gerador de humanidade…
(O poeta do povo, p. 73)
Bolinhas de gude
Jorginho foi preso
quando jogava bolinha de gude
não usou arma de fogo
nem fez brilhar sua navalha
Jorginho era criança igual às outras
queria brincar
O brinquedo poderia ser um revólver
uma navalha
um pandeiro
quem sabe um cavalinho de pau
Jorginho queria brincar
Jorginho viu um filme americano
no outro dia
fez uma quadrilha de mentirinha
sempre brincando
a quadrilha foi ficando de verdade
Jorginho ficou grande como Pelé
todos os dias saía no jornal…
Televisionado
só não deu autógrafo
porque estava algemado
Ele era o facínora
que brincava com bolinhas de gude.
(Cantares ao meu povo, 2.ed., p. 40.)
Gravata colorida
Quando eu tiver bastante pão
para meus filhos
para minha amada
pros meus amigos
e pros meus vizinhos
quando eu tiver
livros para ler
então eu comprarei
uma gravata colorida
larga
bonita
e darei um laço perfeito
e ficarei mostrando
a minha gravata colorida
a todos os que gostam
de gente engravatada…
(O poeta do povo, p. 89)