A poesia de Angelita Guesser
Apresentamos alguns dos poemas de Angelita Guesser constantes em Foda-se, seu livro de estréia, lançado de forma independente pela autora no início de 2020. Interessados devem procurar contato direto com a poeta. Recomendamos.
deram-se as mãos. caminharam por entre os escombros da alucinação. os corpos caíram juntos, e o delírio da madrugada tornou-se a lucidez do dia. naquela rua, ausentes de si buscaram a salvação. o vulto que passou não disse nada, deixou o medo nas coisas costumeiras. e juntas regressaram ao mundo que deixaram dentro daquela casa esquecida. tatearam a redenção e utilizaram o livre-arbítrio como a carta da mãe que dizia: para o dia o sol já não importa.
…
remonto as flores
da estrada
e trago em
goles súbitos
como a morte
a lucidez
não cresço
em doçura
sou excessiva
loucura
e trago o amargo
da tua carne
tatuado
no negro
do asfalto
que renasce
assim
como a noite
no fim do dia
…
havia dois homens sentados à beira da cama. um mudo, e o outro mais falante. eles se amavam, discutiam sua relação de amor e ódio. um queria ser mãe e outro queria ser pai. o primeiro, o mais calado, deitou sua cabeça no colo do mais falante. e pediu que os dois tentassem ter um filho. e fizeram sexo por anos, na tentativa incansável de serem mãe e pai. até que um dia o mais calado, cansado de todo mês se sentir usado, resolveu dizer coisas que há muito não dizia. o mais falante, se espantou com a capacidade do manso de ser intrincado, e decidiu rasgar-lhe para ver o que tinha dentro.
…
a cama desfeita
pelos corpos que
na madrugada fria
de coisas sem nome
deixaram
praticamente
a alma ruir
não existe mais
e sabemos
que aquela cama
foi entre tantas outras
a única que dia e noite
radiante e fechada
de luz tão opaca
serviu aos amantes
com tanta surdez
foram tantos
que ainda não se pode
ter certeza
de tudo o que ela viu
em tempos de paisagens
tão inóspitas
o obscuro toma conta
dos prazeres
principalmente entre jovens
e aquela cama
por vez sem cor
torna-se a redentora
do amor
Nesta obra de estreia, Angelita Guesser traça uma dialética poética particular, expondo seu universo interior – quase que autobiográfico – como um campo fértil de ideias. A poeta semeia sua crítica lírica amorosa que é, em si mesma, uma linguagem corporal de sublimação, momentos de solidão, paranoia, ansiedade e melancolia, até diluir-se num transe induzido pelo que tateia e beira o impossível.
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