Poemas de Lodônio de Poiri
Escritor e Jornalista, o poeta Lodônio de Poiri nos apresenta cinco poemas. Editor do site Armazém na Estrada, voltado para a literatura, é uma imensa alegria publicá-lo.
Mercadores de Sonhos
Foram madrugadas,
por folclóricas canções
e mitológicos anseios,
meticulosamente auditadas.
Velado, nas décadas,
fora o sono,
pelas cantigas do sol.
Antes,
a lua foi magias;
o trovão era ameaçador;
e as ventanias,
dos anjos em poder,
tripudiações.
Hoje não importa
quem esteja no
Trono.
Já aprendemos
a ironia do sonâmbulo
e o sarcasmo das insônias.
As aventuras de Naná, a garota do parque
Hoje ela andou de bicicleta.
Ontem ela fez caminhada.
Anteontem estava cansada.
Hoje ela bebeu detox.
Ontem sorriu para o vizinho.
Anteontem ela queimou livros.
Hoje afagou o cachorro do vigia.
Ontem ela chorou com a tv.
Anteontem machucou na cozinha.
Hoje ela tentou.
Ontem ela tentou.
Anteontem ela esqueceu.
Amanhã ela acordará.
Amanhã ela tentará novamente.
Amanhã, talvez, prefira dormir.
E sonhar com o fim da roda gigante.
Os olhos do eremita
(ou A Lenda das Curas)
Ininterruptas;
soberanas foram as chuvas.
Quando sol e lua
retornaram aos olhos,
soou a trombeta na montanha.
Os povoados do vale,
como filhotes ao ninho,
assolados foram, de súbito,
pelo desejo em romper
o isolamento.
Ainda havia o medo.
Ainda rondavam aflições.
Ainda ardia a dúvida.
Ainda ruminavam ânsias.
Entretanto, a trombeta soou na montanha.
Enquanto nos povoados,
receosas eram as portas…
Na chácara do sopé,
romaria de animais
foi contemplar o cume.
Aflita ficou a única humana.
Todos sabiam da trombeta.
Todos lembravam das décadas.
Todos sabiam das pestes antigas.
Todos lembravam do eremita.
Quando a história virou lenda,
gerações produziram arte.
Mas ninguém ousaria
supor a descida.
“Se a trombeta soou,
o eremita fora encontrado morto.”
“Se ele próprio fez soar,
quão relevante motivo!?“
Na ausência de corpos,
flamejavam perguntas nos infectos vilarejos.
Na romaria, da aflita ecoa
voz que vislumbra
o eremita descer a montanha:
Por quê? Se as flores seguem murchas.
Para quê? Se os frutos seguem pecos.
As dores não surpreendem a mata.
São águas apodrecidas entre festas;
São adubos forjados em mortes.
Por que abandonaste a montanha?
“O relógio nunca para.
Mesmo no cume. Nem sei
se o relógio existe,
se as dores persistem,
se o vírus resiste,
que os ventos hesitem,
ah… sensação incômoda
de transformação: bebi
todas as frações do tempo
e almejo um milésimo de segundo…
para ficar bem.
Seguem valiosas todas as cirandas,
e os jogos e as celebrações,
e os lares e as orações,
e os trabalhos e as privações,
e toda plêiade de criações.
Porém,
condenada seja minha heresia,
nem sempre há motivos históricos,
nem sempre há objetivos ecológicos,
nem sempre uma fagulha divina
brindará nossos passos:
no cume os olhos são vãos,
mais valia uma cegueira;
Quão leviano seja,
o eremita desce a montanha
apenas
para te ver! ”
A Dançarina no Telhado
(O Silêncio que embala a Dança)
Enquanto na terra das sete colinas,
sob o cerco de um vírus,
balouçam varandas canoras;
o Chifre da África declina
das históricas dores
diante das nuvens devastadoras:
gafanhotos maledicentes
comem a comida
dos gados e das gentes.
Nenhum canto planetário
pode ecoar o balancete africano
de tantas perdas acumuladas.
O globo já era um aquário
transbordando insólitos temores
nas bordas ditas delineadas.
Sentado na minha varanda
ouvi todos os ecos da cidade:
– covid, covid, covid!
Era dia luminoso
e todos os velhos tossiam:
– covid, covid, covid!
O entardecer não chegava
e as crianças peraltas adoeciam:
– covid, covid, covid!
O aquário da humanidade marulhava em ondas:
– covid, covid, covid!
No ocaso, lembrei-me de cada seixo dragado nas marés…
… quando ela surgiu envolta em colares!
Nenhuma nota musical era audível.
E ela suavemente caminhava no telhado.
Não mais cogitei
se o ataque dos gafanhotos
vedou a Operação Liberdade Duradoura:
Ela dança nas telhas!
Na Criméia, o vírus apaziguou russos e ucranianos?
Ela dança nas telhas!
Na Caxemira, o vírus apaziguou paquistaneses e indianos?
Ela dança nas telhas!
No Bornéu do Norte, o vírus apaziguou filipinos e malaios?
Ela dança nas telhas!
No nordeste brasileiro, a pandemia igualou os balaios?
Ela dança nas telhas!
Ontem, o sol, sem vírus, aqueceu a pobreza em cada povoado caribenho?
O silêncio que embala a dança
é interrompido pela sirene.
Policiais aglomerados exigem que a solitária dançarina encerre…
O que eles sabem do cotidiano do Baluchistão?
Ela dança nas telhas!
O que eles sabem do meu encantamento vetado?!
Ela dança nas telhas!
Como agiriam vivendo diariamente na Síria?
Ah… Ela dança nas telhas
e unificaria as etnias de Myanmar ou do Sahel!
Tolos corrompem o silêncio
enquanto o vírus se propaga e…
Ela dança nas telhas!
Perdurarei minhas horas na varanda
olhando para o telhado vazio.
A espécie humana será modificada:
Sísifo contempla.
A alma de Epicuro sussurra na minha embriaguez:
“é preciso rir e ao mesmo tempo filosofar”.
O desejo sob a marquise
não me dê um caleidoscópio
não quero um caleidoscópio
não me peça um caleidoscópio
não te darei um caleidoscópio
O caleidoscópio não é importante para nós!
nem objetos arqueológicos
nem totens e constelações
nem livros religiosos
nem deuses e orações
O que haverá de ser importante para nós?
Saber o começo das coisas
ou simplesmente fazer sexo ?
Prever o fim das coisas
ou simplesmente fazer sexo ?
Perder-se com o fim, o princípio e o sexo
ou livrar-se do relógio da madrugada ?
Às duas horas,
quando o sol, covardemente, está escondido:
toda marquise é árvore de copa generosa –
onde as orquídeas dos indigentes florescem.
Às duas horas,
quando a neblina, essa alcoviteira, decide passear:
nenhum artefato lúdico ou artefato científico ou artefato religioso
atende às necessidades noturnas.
Às duas horas,
quando a lua, ingênua e vaidosa, destila romantismo:
qualquer orquídea na marquise transpira indiferença.
As pétalas que conhecem a neblina dedicam-se à luxúria.
Ainda que a sensualidade,
também,
não seja importante para nós.
O Poeta por ele mesmo
Lodônio de Poiri é poeta, contista e ensaísta. Um epicurista anarquista e vice-versa. Aproveitou a pandemia para finalmente cuidar da carreira de escritor. Agora, participa do site literário ‘Armazém na Estrada’. Bacharel em Comunicação, Especialista em Geopolítica e Relações Internacionais, Especialista em Comunicação e Semiótica. É Oficial de Justiça Avaliador, profissão considerada ideal para um contista.