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Contrarresiliente, um manifesto anti-barbárie

Vencedor do Prêmio Lima Barreto (2018), contista, músico e poeta, o premiado escritor Zeh Gustavo apresenta seu ivro de poesias, lançado após “Eu algum na multidão de motocicletas verdes agonizantes.” Contrarresiliente (Editora Viés) é um livro atual, um convite ao confronto, de onde extraímos espanto, lirismo e inconformidade. Um manifesto anti-conivência contra a apatia e estupidez que tão bem servem a necrocracia.

A TRAGO SECO

 

a Giorgio Agamben

 

o contrarresiliente flerta com a palavra

 

em abismo; sua busca na arte

 

é pelo terror não divino, mas endemoniado

 

– o de uma solidão posta ao escárnio

 

da não leitura de seus gestos,

 

da ausência de convites para clubinhos e festês nobiliárquicos,

 

de uma profissão descaralhada,

 

profusão de porra-louquice liberada

 

 

 

o contrarresiliente namora o ostracismo

 

como sua musa, o rancor é seu cão-guia,

 

a cachaça batizada torna-se sua mina de fé,

 

qual parceirinha de dor, amor e cama

 

 

 

já a contrarresiliência exala a uma dose de fogo

 

para ser sorvida a pé, aos tropeções

 

durante a jornada em terra quente

 

de quem não foge à própria fuga

 

 

 

contrarresiliência (classe gramatical: insubstantível):

 

desentrega, galope torto, desprograma, tossir

 

de labaredas no deserto inquieto

 

 

 

contrarresiliente (função sintática: predicativo em dessujeito):

 

jaz encurralado brotando setas, comendo água

 

e é assim que tasca um ai no lombo inerte,

 

finta um nó no entendimento passivólatra,

 

contraimersivo – pois ao contrarresiliente

 

é de gosto o mergulhar

 

 

 

a contrarresiliência é como lugar cavado sem

 

expectativa do que encontrar

 

buraco que segue sendo tecido

 

com a pá da brasa aquosa

 

em farsa desvelante das teias

 

 

 

o que o contrarresiliente busca é uma

 

célula tramada no fuço do tempo fresco

 

que rodopia fingindo sua serenidade sanguinária

 

que a contrarresiliência nega e rasga,

 

com sua graça em caos,

 

nuvem esfumaçada a trago seco

"Contrarresiliente" agora em e-book

Um livro de poesia, hoje, já nasce ultrajado pelas suas parcas condições de circulação e sob o vilipêndio da inutilidade. Requer, pois, sua feitura, um tesão ímpar: o de apresentar, diante da maré arredia, um peixe que nada num sentido que lhe é estranho. Na rede da resiliência, reza o receituário à disposição do indivíduo que se refastela afogado na correnteza: cuide-se, trate de melhorar, superar, dar aquele upgrade e seguir. Ainda que em caso de topada, de uma tragédia parente, de um massacre diário; ou mesmo de uma cisão da sociedade em nome da ascensão de monstrengos fascistas, fundamentalistas religiosos ou idiotas empoderados. “Aceita que dói menos”, diz o conselho de algum conterrâneo crápula (quem hoje não o tem, quando “tá na moda ser um canalhinha”?). Ou o livro de autoajuda. Ou o especialista em saúde de portais que nunca se abrem senão para um breve like. Se um caráter resiliente molda o indivíduo para a sua adequação – o que, em tese, sempre se faz necessário à vida em sociedade –, um outro, contrarresiliente, ora anuncia, em versos, seu método: não conformar a carne tampouco o gesto tampouco o grito. Reverberrar. Poética e aproximadamente: resistir, a apurar o faro no brio-brilho da lâmina com que se corta a veia do caudaloso rio das bestas, que tudo ameaça tomar

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Zeh Gustavo é músico, escritor, revisor. Mexe com poesia, canto, letra, conto. Faz parte do Terreiro de Breque e do Triuaipi. Publicou, além de participações em coletâneas como "Porremas" e "O meu lugar", os livros "Eu algum na multidão de motocicletas verdes agonizantes", "Pedagogia do suprimido", "A perspectiva do quase" e "Idade do Zero".

"A poesia de Zeh Gustavo, filósofo-escritor-poeta, vem para remexer as brasas que não adormecem, e lançam fogo, labaredas que banham e produzem cinzas vulcânicas para adubar solos arenosos. Poesia-magma que também escorre pelos mares e esquenta até mesmo invernais riachos heraclíticos. Ela incita qualquer contrarresiliente a sorver a palavra, tomar atitude e inventar a ética que pode levar à antirresiliência e prosseguir nos percursos inimagináveis das resistências. O que persiste nas resistências é a recusa a ser governado. É prática de ingovernáveis, dos que são contra o que somos, dos que se insurgem e prosseguem potencializando liberdades. É uma atitude ética da revolta e do risco de morte, da parrésia, de únicos." (Edson Passetti, no prefácio de Contrarresiliente)

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