A TRAGO SECO
a Giorgio Agamben
o contrarresiliente flerta com a palavra
em abismo; sua busca na arte
é pelo terror não divino, mas endemoniado
– o de uma solidão posta ao escárnio
da não leitura de seus gestos,
da ausência de convites para clubinhos e festês nobiliárquicos,
de uma profissão descaralhada,
profusão de porra-louquice liberada
o contrarresiliente namora o ostracismo
como sua musa, o rancor é seu cão-guia,
a cachaça batizada torna-se sua mina de fé,
qual parceirinha de dor, amor e cama
já a contrarresiliência exala a uma dose de fogo
para ser sorvida a pé, aos tropeções
durante a jornada em terra quente
de quem não foge à própria fuga
contrarresiliência (classe gramatical: insubstantível):
desentrega, galope torto, desprograma, tossir
de labaredas no deserto inquieto
contrarresiliente (função sintática: predicativo em dessujeito):
jaz encurralado brotando setas, comendo água
e é assim que tasca um ai no lombo inerte,
finta um nó no entendimento passivólatra,
contraimersivo – pois ao contrarresiliente
é de gosto o mergulhar
a contrarresiliência é como lugar cavado sem
expectativa do que encontrar
buraco que segue sendo tecido
com a pá da brasa aquosa
em farsa desvelante das teias
o que o contrarresiliente busca é uma
célula tramada no fuço do tempo fresco
que rodopia fingindo sua serenidade sanguinária
que a contrarresiliência nega e rasga,
com sua graça em caos,
nuvem esfumaçada a trago seco