Dono de uma escrita original e pujante, Manoel de Barros é retratado no documentário “Só dez por cento é mentira” (2008), dirigido por Pedro Cézar. Seus poemas foram também musicados pelo compositor Márcio de Camillo e trechos de suas poesias ecoam em todos que têm contato com sua obra.
“Que hei de fazer se de repente a manhã voltar? Que hei de fazer? — Dormir, talvez chorar”. Manoel de Barros
Barros se formou bacharel em Direito no Rio de Janeiro em 1941. Viveu entre a capital carioca e o Pantanal. Dizia que os anos dedicados à criação de gado na fazenda que herdou da família serviram para que ele pudesse “comprar o ócio” e se dedicar exclusivamente à poesia – tornando-se, assim, um “vagabundo profissional”.
"Quando escutei o discurso apoiando Getúlio — o mesmo Getúlio que havia entregue sua mulher, Olga Benário, aos nazistas — não agüentei. Sentei na calçada e chorei.”
“Eu o fantasiei magro e triste, mas ele é gorducho e tem o vigor de um empresário feliz. Eu imaginei um homem quieto e inadaptado, e ele é um senhor firme, que se move com nobreza e não esconde o desencanto. Eu imaginei um homem ingênuo, que passasse os dias entre cachorros e passarinhos, catando frutos no mato, os pés metidos na terra, e agora devo aceitar que Manoel de Barros não é a figura que eu tirei de seus poemas. Poemas e poeta estão separados por um abismo, e é ele que, a partir de agora, deve me interessar. A poesia está nessa divisão, é essa fenda que se abre à minha frente.” José Castello Trecho do perfil do poeta, parte do livro ‘Inventário de Sombras’
O poeta passa a ser conhecido aos 70 anos de idade quando, nos anos 80, o chargista Millôr Fernandes publicou um poema de Manoel no Jornal do Brasil com a seguinte frase: “Veja, isso é que é poesia”. Outros fizeram o mesmo: Fausto Wolff e Antônio Houaiss, entre eles. Os intelectuais iniciaram, através de tanta recomendação, o conhecimento dos poemas que a Editora Civilização Brasileira publicou, em quase a sua totalidade, sob o título de Gramática Expositiva do Chão.
“Uma vez pedi emprego a Carlos Drummond de Andrade no Ministério da Educação e ele anotou o meu nome. Estou esperando até hoje", conta.
"Exploro os mistérios irracionais dentro de uma toca que chamo 'lugar de ser inútil'. Exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações. Entro às 7 horas, saio ao meio-dia. Anoto coisas em pequenos cadernos de rascunho. Arrumo versos, frases, desenho bonecos. Leio a Bíblia, dicionários, às vezes percorro séculos para descobrir o primeiro esgar de uma palavra. E gosto de ouvir e ler "Vozes da Origem". Gosto de coisas que começam assim: "Antigamente, o tatu era gente e namorou a mulher de outro homem".
Só Dez Por Cento É Mentira
“Crianceiras”
Manoel de Barros aclamou a poesia como a infância da língua, num claro elogio à liberdade criativa das crianças que permeia toda sua obra literária. Nada mais apropriado, portanto, que transformar os versos do poeta pantaneiro em música com um coro de pequenos formado por 15 cantores mirins. Foi o que o compositor Márcio de Camillo fez em 2013, ao musicar dez criações de Barros, entre eles “Bernardo”, “O Idioma das Árvores” e “Linhas Tortas”.
Na fase final do disco, havia nove canções. Faltava uma que fechasse o trabalho, mas justamente essa não saía. Quando emergiu, “O menino e o rio” acabou se tornando um resumo de Manoel de Barros, o garoto crescido brincando no chão, entre formigas, cujo quintal é maior do que o mundo. “Lendo o livro Memórias inventadas, eu vi uma pequena autobiografia dele e comecei a juntar os versos pra construir essa canção. Virou minha homenagem a ele”, Márcio relata.
Quando Crianceiras chegou ao homenageado, fugiram as palavras de agradecimento. Manoel teve de pedir à mulher, Stella, que o fizesse. Todavia, não é difícil perceber quão bem recebido o disco foi na casa dos Barros.
Indicado como um dos três melhores álbuns infantis de 2012 pelo Prêmio da Música Brasileira, o projeto se desdobrou em videoclipes animados exibidos pelo canal a cabo infantil Gloob; além de ganhar uma versão cênica, de mesmo nome, inspirada nas ilustrações de Martha Barros, filha de Manoel, que dão vida à capa e ao encarte do CD. “No espetáculo, a palavra é a palavra do Manoel, onde tudo começa; a música é minha, mas o visual é o da Martha Barros”, diz Márcio.