A Poesia de Cacaso

JOGOS FLORAIS
 
 

Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.

Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.

(será mesmo com dois esses
que se escreve paçarinho?)

Publicado no livro Grupo Escolar (1974). Poema integrante da série 3a. Lição: Dever de Caça.
 
In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.110
 
NOTA: Paródia da “Canção do Exílio”, do livro PRIMEIROS CANTOS (1846), de Gonçalves Dias, e da canção “Tico-Tico no Fubá”, de Zequinha de Abre

A poesia de Cacaso ilustra o cenário cultural que se articula durante a década de 1970 no Brasil. O poeta Antonio Carlos Ferreira de Brito, nascido na cidade de Uberaba (MG) em 1944 , participou ativamente de movimentos estudantis, se posicionando contra o regime militar, além de publicar seus escritos mimeografados.

As principais publicações de Cacaso foram A Palavra Cerzida (1967), Grupo escolar (1974), Beijo na boca (1975), Segunda classe (1975), Na corda bamba (1978) e Mar de mineiro (1982).

lar, doce lar

minha pátria é minha infância

por isso vivo no exílio

Publicado no livro Na corda bamba: poesia (1978).

In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.63


DENTRO DE MIM MORA UM ANJO

Quem me vê assim cantando
não sabe nada de mim
dentro de mim mora um anjo
que tem a boca pintada
que tem as asas pintadas
que tem as unhas pintadas
que passa horas a fio
no espelho do toucador
dentro de mim mora um anjo
que me sufoca de amor

Dentro de mim mora um anjo
montado sobre um cavalo
que ele sangra de espora
ele é meu lado de dentro
eu sou seu lado de fora
Quem me vê assim cantando
não sabe nada de mim

Dentro de mim mora um anjo
que arrasta as suas medalhas
e que batuca pandeiro
que me prendeu nos seus laços
mas que é meu prisioneiro
acho que é colombina
acho que é bailarina
acho que é brasileiro

Publicado no livro Mar de mineiro: poemas e canções (1982). Poema integrante da série Papos de Anjo da Guarda.

In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.139

LOGIAS E ANALOGIAS

No Brasil a medicina vai bem
mas o doente ainda vai mal.
Qual o segredo profundo
desta ciência original?
É banal: certamente
não é o paciente
que acumula capital.


Publicado no livro Grupo Escolar (1974). Poema integrante da série 3a. Lição: Dever de Caça.

In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.10

 

FACE A FACE

São as trapaças da sorte
são as graças da paixão
pra se combinar comigo
tem que ter opinião

Morena quando repenso
no nosso sonho fagueiro
o céu estava tão denso
inferno tão passageiro
uma certeza me nasce
e abole todo o meu zelo
quando me vi face a face
fitava o meu pesadelo
estava cego o apelo
estava solto o impasse
sofrendo nosso desvelo
perdendo no desenlace
no rolo feito novelo
até o fim do degelo
até que a morte me abrace

São as desgraças da sorte
são as traças da paixão
quem quiser casar comigo
tem que ter bom coração

Morena quando relembro
aquele céu escarlate
mal começava dezembro
já ia longe o combate
uma lambada me bole
uma certeza me abate
a dor querendo que eu morra
o amor querendo que eu mate
estava solta a cachorra
que mete o dente e não late
No meio daquela zorra
perdendo no desempate
girando feito piorra
até que a mágoa escorra
até que a raiva desate

Publicado no livro Mar de mineiro: poemas e canções (1982). Poema integrante da série Papos de Anjo da Guarda.

In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.141-142

 

Cacaso ganha documentário afetivo e provocador

CACASO – NA CORDA BAMBA é o retrato definitivo de um artista multifacetado. ​​
Produzido por Cafeína Produções

Elas cantam Cacaso

"Eles cantam Cacaso" Homenagem ao Cacaso.
As vozes de Claudio Nucci, Paula Santoro, Rosa Emília e Sergio Santos juntaram-se aos tons dos instrumentistas André Mehmari, Marcos Suzano, Silvio D’ Amico e Zeca Assumpção. Os convidados especiais da noite foram Zé Renato (compositor) e Geraldo Carneiro (poeta). No repertório, músicas de Cacaso em parceria com Djavan, Filó Machado, Nelson Ângelo, Sérgio Santos e Villa-Lobos. Homenagem ao poeta Cacaso.