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Entrevista exclusiva do poeta Guilherme Zarvos

Guilherme Zarvos

Diretamente ligado a história da cena poética da cidade do Rio de Janeiro, Guilherme Zarvos falou com a Revista Arara sobre a cena contemporânea, o dragão da maldade e o que pode a poesia.

Quisera-me normal. Sem vícios. Um bom dono de casa. Numa cidade tranqüila de um país tranqüilo.
Mulher, um casal de filhos, a menina para ser mimada,
para que eu venha desaguar no choro
quando ela tiver o seu primeiro filho.
Ou será o primeiro neto, de qualquer um dos filhos,
que me arrebatará?
Quisera-me menos fodido, menos anti-social,
sem beirar sarjetas, eu, sujeito educado,
com amigos de afazeres invejáveis.
Quisera-me velhinho contando histórias para
os vizinhos.
Não vou negar: dar o cu, pesa-me na alma.
Guilherme Zarvos é poeta, Doutor em Letras – Literatura Brasileira – pela PUC-Rio. Mestre em Ciências Sociais pela UFRJ com a dissertação “Antropologia dialética de Darcy Ribeiro”. Graduou-se em Economia pela PUC-RJ (1980). Fundou o CEP20.000 e foi membro do Conselho da Fundação Darcy Ribeiro. Trabalhou com Darcy Ribeiro entre 1983 e 1987 e foi assessor parlamentar da deputada Márcia Cibilis entre 1991 e 1993. Presidente do Instituto CEP20.000 Pensamento Cultural.
Escreveu, publicou e organizou mais de 10 livros. Participante do Programa Especial de Educação dos CIEPS em sua primeira fase. Morou fora do Brasil em viagens de observação e trabalho por mais de três anos. Dessas viagens, resultaram a tese de mestrado, o primeiro livro de Literatura e o desejo de criar o CEP20.000. Foi publicado, em 2010, na coleção Ciranda da Poesia-UERJ.
Cadê a poesia? Como você enxerga a cena, com o que tem tido contato, o que acha que se pode esperar e sua experiência com ela.
A cena do Rio nunca foi tão forte como agora. Centenas de poetas escrevendo muito bem e publicando como nunca na história da cidade. Talvez só a poesia marginal da década 70 tenha paralelo. Mas hoje as vozes são muito mais amplas e envolvem canonicamente desde o funk ao discurso político e a poesia de proposição inovadora. Muito também vem sendo escrito pelos professores poetas e pelas mesas de mestrado e doutorado. Há uma confusão de sentimento, pois nesta quantidade de afeto ainda não consigo sair do turbilhão, digerir, pensar afastadamente, mas muito mais importante é que sinto que há uma enorme produção. Inclusive a produção digital, que vejo como uma resposta ao fato de que a maioria das tiragens de livros são pequenas e custosas tanto para a editora quanto para o autor. Publicar é um ato político contra várias formas de maquinações que querem moldar comportamento e ideologia. Do que vi nos últimos três anos fico muito impactado e querendo absorver. Acho que já se pode construir uma visão mediada pelos eventos de 2013. As forças e ruas se politizaram, inúmeros vagalumes com movimentação Negra, feminista, trans, LGBT, e poesia de quem dialoga com o canônico ou com experiências de fora da cidade. Inúmeros poetas citam viagens e autores. De toda a grata leitura de centenas de livros nestes três anos flutuo satisfeito e sigo algumas.

Acho que já se pode construir uma visão mediada pelos eventos de 2013. As forças e ruas se politizaram, inúmeros vagalumes com movimentação Negra, feminista, trans, LGBT, e poesia de quem dialoga com o canônico ou com experiências de fora da cidade. Inúmeros poetas citam viagens e autores.

O que pode a poesia? Como é pra você o ato de escrever, o que é para você ver o que é e foi escrito, o que a poesia inscreve e transcreve à realidade. 

Apesar de achar que aos 62 minha capacidade criativa e perceptiva já diminui, continuo acreditando que livros podem modificar pessoas. Acho que quem publica um livro tem vontade de dialogar. Pensando assim a poesia pode tudo. Ciente de que tem um público reduzido.

A poesia irá derrotar o dragão da maldade? 

Havia, ainda nos anos 90, uma personificação de um sujeito poético que tendia a exaltar ou inventar dândis na escrita com perguntas como “quem é o melhor?” enquanto hoje há uma conscientização da escrita proletária. O poeta não tem vergonha de trabalhar como a enorme maioria da população brasileira para sobreviver com dificuldade e manter a necessidade de escrever ou publicar. Este é o embate com o dragão da maldade, continuar ou não? Precisar ou não prosseguir escrevendo poesia.  

O poeta não tem vergonha de trabalhar como a enorme maioria da população brasileira para sobreviver com dificuldade e manter a necessidade de escrever ou publicar. ​

Você gosta de poesia?

O amor de que fala Zarvoleta
Amor do poeta
Encarcerado no Pinel
Na sua histeria
Jogaram meu amor na enfermagem
Trancaram a porta
Os cabelos amarelos do meu poeta estavam sem brilho
Meu cavalheiro cercado por lúmpens
Tão pobres tão pobres
Ele tinha esquecido do que era a enfermaria do Pinel
A melhor instituição pública para os insanos
Eles denominam de sofredores mentais
A família os quer lá no quadrado de demo
País de bastardos tratando meu poeta e seus colegas
De quarto como matéria em detrito
Abençôo todos os humanos que foram trancafiados
por perturbar
A paz.
Como vai seu vizinho?

Amarelo

Guilherme Zarvos nasceu em São Paulo no dia 23 de março de 1957, mas vive no Rio de Janeiro desde os dois anos de idade. Formou-se em Economia, fez mestrado em Ciências Sociais e Doutorado em Letras pela Puc – Rio. Neste mês percorreremos a poesia visceral, política e prosaica desta figura tão peculiar do cenário cultural carioca. Vamos além do Guilherme Zarvos do CEP 20.000, além do controverso e socrático provocador.
No Inventário, publicado em celebração dos 10 anos do CEP, Zarvos rememora quando decide voltar de Berlim, onde passara 8 meses e desistira de fazer doutorado em Ciências Políticas. Conviveu com os “alternativos”, em Kreusberg, até 2 meses antes do Muro cair, vendo a distribuição de panfletos e… dando a direção dos melhores bares e festas libertárias.
“Eu queria voltar para o Brasil. Lá não era minha terra. Mas queria manter o mesmo tipo de vida. Juntar  gente que estivesse procurando um caminho que envolvesse arte. O Brizola era candidato a presidente, era 1989, voltei para fazer campanha, o Brizola perdeu, eu vivia na porta do Baixo Gávea, todas as noites tinha uma rapaziada muito especial, era ali que me sentia integrado. Havia trabalhado de 83 até 87 com Darcy Ribeiro e o procurei para falar da idéia de realizar encontros que unissem juventude e poesia. Ele me falou para conversar com o Gerardo de Mello Mourão, que sendo poeta e estando na Secretaria Municipal de Cultura, poderia apoiar uma ação nessa área. Surgiu o Terça-Poética, na Faculdade da Cidade.”
O Terça-Poética foi a semente do projeto CEP 20.000 e de seus múltiplos desdobramentos que continuam a acontecer até hoje. No último dia dos encontros, que reunia a garotada em torno de poetas e críticos literários já consagrados (como o próprio Gerardo de Mello Mourão, Ferreira Gullar, João Cabral de Mello Neto, Chacal, Heloísa Buarque de Hollanda e Silviano Santiago), numa conversa entre Zarvos e Carlos Emílio Corrêa Lima, que então trabalhava no RIOARTE, a idéia nasceu.
De acordo com o testemunho de Carlos Emílio, publicado no já citado CEP 20.000 – Inventário 1990-2000, na hora de assinar o termo oficial da prefeitura criando o CEP 20.000 sob a responsabilidade de Carlos Emílio (que cuidaria do jornal) e Zarvos e Chacal (responsáveis pelos eventos do CEP no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá), Tertuliano dos Passos, então coordenador editorial do Rioarte e da Fundação Rio, virou-se e disse: “Carlos Emílio, você me garante que não vai haver gente fumando maconha lá dentro do teatro Sérgio Porto?”. Carlos Emílio continua: “Eu sorri e disse que isso não era da nossa conta. Aí ele assinou…”
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