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Manoel de Barros: “vagabundo profissional”

Manoel de barros

Dono de uma escrita original e pujante, Manoel de Barros é retratado no documentário “Só dez por cento é mentira” (2008), dirigido por Pedro Cézar. Seus poemas foram também musicados pelo compositor Márcio de Camillo e trechos de suas poesias ecoam em todos que têm contato com sua obra.

“Que hei de fazer se de repente a manhã voltar? Que hei de fazer? — Dormir, talvez chorar”. Manoel de Barros

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá em 19 de dezembro de 1916. Tinha um ano de idade quando o pai decidiu fundar fazenda com a família no Pantanal: construir rancho, cercar terras, amansar gado selvagem.
Nequinho, como era chamado carinhosamente pelos familiares, cresceu brincando no terreiro, entre os currais e as coisas “desimportantes” que marcariam sua obra para sempre.

Barros se formou bacharel em Direito no Rio de Janeiro em 1941. Viveu entre a capital carioca e o Pantanal. Dizia que os anos dedicados à criação de gado na fazenda que herdou da família serviram para que ele pudesse “comprar o ócio” e se dedicar exclusivamente à poesia – tornando-se, assim, um “vagabundo profissional”.
Manoel de Barros teve seu primeiro contato com a literatura no Colégio São José, no Rio de Janeiro. Admirador das obras do poeta francês Arthur Rimbaud, a quem chamou de o “renovador poético do mundo”, era também leitor de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Augusto dos Anjos.
​Seu primeiro livro, aos 18 anos, não foi publicado, mas salvou-o da prisão. Havia pichado “Viva o comunismo” numa estátua, e a polícia foi buscá-lo na pensão onde morava. A dona da pensão pediu para não levar o menino, que havia até escrito um livro. O policial pediu para ver, e viu o título: Nossa Senhora de Minha Escuridão. Deixou o menino e levou a brochura, único exemplar que o poeta perdeu para ganhar a liberdade. Sua derradeira estréia foi em 1937, com o livro Poemas Concebidos Sem Pecado, publicado em edição caseira de 21 exemplares, bancada por 20 amigos.

"Quando escutei o discurso apoiando Getúlio — o mesmo Getúlio que havia entregue sua mulher, Olga Benário, aos nazistas — não agüentei. Sentei na calçada e chorei.”

Barros rompeu com o Partido Comunista, de quem era afiliado desde a maioridade, quando seu líder Luiz Carlos Prestes foi solto depois de dez anos de prisão. Manoel esperava que ele tomasse uma atitude contra o que os jornais comunistas chamavam de “o governo assassino de Getúlio Vargas”. Foi, ansioso, ouvi-lo no Largo do Machado, no Rio. E nunca mais se esqueceu: “Quando escutei o discurso apoiando Getúlio — o mesmo Getúlio que havia entregue sua mulher, Olga Benário, aos nazistas — não agüentei. Sentei na calçada e chorei.”
Voltou a morar no Pantanal e, em seguida, decidiu conhecer algumas partes do mundo, morando na Bolívia, no Peru e em Nova York, onde fez curso de cinema e pintura.
Voltando ao Brasil, o advogado Manoel de Barros conheceu a mineira Stella no Rio de Janeiro e se casaram em três meses. No começo do namoro a família dela — mineira — se preocupou com aquele rapaz cabeludo que vivia com um casaco enorme trazido de Nova York e que sempre se esquecia de trazer dinheiro no bolso. Mas, naquela época, Stella já entendia a falta de senso prático do noivo poeta. Por isso, até sua última entrevista Manoel a chamou de “guia de cego”. Stella o desmente: “Ele sempre administrou muito bem o que recebeu”.

“Eu o fantasiei magro e triste, mas ele é gorducho e tem o vigor de um empresário feliz. Eu imaginei um homem quieto e inadaptado, e ele é um senhor firme, que se move com nobreza e não esconde o desencanto. Eu imaginei um homem ingênuo, que passasse os dias entre cachorros e passarinhos, catando frutos no mato, os pés metidos na terra, e agora devo aceitar que Manoel de Barros não é a figura que eu tirei de seus poemas. Poemas e poeta estão separados por um abismo, e é ele que, a partir de agora, deve me interessar. A poesia está nessa divisão, é essa fenda que se abre à minha frente.” José Castello Trecho do perfil do poeta, parte do livro ‘Inventário de Sombras’

O poeta passa a ser conhecido aos 70 anos de idade quando, nos anos 80, o chargista Millôr Fernandes publicou um poema de Manoel no Jornal do Brasil com a seguinte frase: “Veja, isso é que é poesia”. Outros fizeram o mesmo: Fausto Wolff e Antônio Houaiss, entre eles. Os intelectuais iniciaram, através de tanta recomendação, o conhecimento dos poemas que a Editora Civilização Brasileira publicou, em quase a sua totalidade, sob o título de Gramática Expositiva do Chão.  

Quanto a descoberta tardia, Manoel dizia que era por sua culpa mesmo, muito orgulhoso, nunca procurou ninguém, nem freqüentou rodas, nem mandou um bilhete.

“Uma vez pedi emprego a Carlos Drummond de Andrade no Ministério da Educação e ele anotou o meu nome. Estou esperando até hoje", conta.

"Exploro os mistérios irracionais dentro de uma toca que chamo 'lugar de ser inútil'. Exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações. Entro às 7 horas, saio ao meio-dia. Anoto coisas em pequenos cadernos de rascunho. Arrumo versos, frases, desenho bonecos. Leio a Bíblia, dicionários, às vezes percorro séculos para descobrir o primeiro esgar de uma palavra. E gosto de ouvir e ler "Vozes da Origem". Gosto de coisas que começam assim: "Antigamente, o tatu era gente e namorou a mulher de outro homem".

Manoel de Barros é conhecido nacional e internacionalmente por suas poesias e tem mais de 30 obras publicadas. Dentre elas, o livro Para Encontrar o Azul eu Uso Pássaros, que une a indescritível maneira de Manoel de Barros apresentar a natureza, com o olhar detalhista de Marcelo Silva de Oliveira para fotografia. A segunda edição da obra foi publicada pela Editora Alvorada.
Numa entrevista concedida a José Castello, do jornal “O Estado de São Paulo”, em agosto de 1996, ao ser perguntado sobre qual sua rotina de poeta, respondeu:

Só Dez Por Cento É Mentira

Manoel de Barros foi personagem no documentário Só Dez Por Cento É Mentira (2008) dirigido por Pedro Cézar. Seus textos também inspiraram peças de teatro e o álbum Música de sobrevivência, de Egberto Gismonti. E teve poemas musicados pelo compositor Márcio de Camillo.
O documentário é um mergulho cinematográfico na biografia e nos versos de Manoel de Barros, alternando sequências inéditas de entrevistas do escritor, versos de sua obra e depoimentos de familiares e leitores o filme constrói um painel revelador sobre o poeta. Trata-se de uma boa oportunidade para conhecer melhor o escritor. O título do filme refere-se a uma frase de Manoel de Barros: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”.
Direção: Pedro Cezar | Ano: 2008 | Duração: 80 min
“Crianceiras”

Manoel de Barros aclamou a poesia como a infância da língua, num claro elogio à liberdade criativa das crianças que permeia toda sua obra literária. Nada mais apropriado, portanto, que transformar os versos do poeta pantaneiro em música com um coro de pequenos formado por 15 cantores mirins. Foi o que o compositor Márcio de Camillo fez em 2013, ao musicar dez criações de Barros, entre eles “Bernardo”, “O Idioma das Árvores” e “Linhas Tortas”

Na fase final do disco, havia nove canções. Faltava uma que fechasse o trabalho, mas justamente essa não saía. Quando emergiu, “O menino e o rio” acabou se tornando um resumo de Manoel de Barros, o garoto crescido brincando no chão, entre formigas, cujo quintal é maior do que o mundo. “Lendo o livro Memórias inventadas, eu vi uma pequena autobiografia dele e comecei a juntar os versos pra construir essa canção. Virou minha homenagem a ele”, Márcio relata.

Quando Crianceiras chegou ao homenageado, fugiram as palavras de agradecimento. Manoel teve de pedir à mulher, Stella, que o fizesse. Todavia, não é difícil perceber quão bem recebido o disco foi na casa dos Barros. 

​​Indicado como um dos três melhores álbuns infantis de 2012 pelo Prêmio da Música Brasileira, o projeto se desdobrou em videoclipes animados exibidos pelo canal a cabo infantil Gloob; além de ganhar uma versão cênica, de mesmo nome, inspirada nas ilustrações de Martha Barros, filha de Manoel, que dão vida à capa e ao encarte do CD. “No espetáculo, a palavra é a palavra do Manoel, onde tudo começa; a música é minha, mas o visual é o da Martha Barros”, diz Márcio.

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