Considerado um dos mais populares, profusos e respeitados escritores brasileiros, Luís Fernando Veríssimo é conhecido pelo humor que transborda em suas crônicas, contos e pequenos causos. Conheça uma delas e veja, nas entrevistas, como o autor fala sobre o humor, suas experiências, visão de mundo e política.
Papos
“- Me disseram…
– Disseram-me
– Hein?
– O correto é ‘disseram-me’. Não ‘me disseram’.
– Eu falo como quero. E te digo mais… Ou ‘digo-te’?
– O quê?
– Digo-te que você…
– O ‘te’ e o ‘você’ não combinam.
– Lhe digo?
– Também não. O que você ia me dizer?
– Que você tá sendo grosseiro, pedante e chato. E que vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz? Aaahh
– Partir-te a cara.
– Pois é. Partir-la-ei se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
– É para o seu bem.
– Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mas uma correção e eu…
– O quê?
– O mato.
– Que mato?
– Mato-o. Mato-lhe. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?
– Eu só estava querendo…
– Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar certo é elitismo.
– Se você prefere falar errado…
– Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?
– No caso… Não sei.
– Ah, não sabes? Não o sabes? Sabes-lo não?
– Esquece.
– Não. Como ‘esquece’ ou ‘esqueça’? Ilumine- me. Me diga. Ensines-lo-me. Vamos!
– Depende.
– Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesse, mas não sabes-o.
– Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
– Agradeço-lhe a permissão para falar errado que me dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
– Por quê?
– Porque, como todo esse papo, esqueci-lo.”
Veríssimo, Luis Fernando. Novas comédias da vida pública – a versão dos afogados. Porto Alegre: L&PM, 1997.