Márcio Rufino é poeta e ator, agitador cultural na cena da Baixada Fluminense. Participou de diversos saraus, festivais e slams, transitando pelos mais variados encontros e festas literárias. Em entrevista, o autor diz o que pensa a respeito dos caminhos da poesia falada e da cidade partida, com suas periferias e referências estéticas próprias.
Há uma estética própria em cada pedaço do Rio de Janeiro
Mas um protagonismo que fosse além daquele discurso de Democracia Racial capenga de Aquarela do Brasil, de Casa Grande e Senzala, de Sítio do Picapau Amarelo que mantém o jogo com as suas mesmas regras. Muda apenas os figurinos. O próprio povo passa a contar sua história no cinema, na internet só invés de ficar no sofá com a boca escancarada, cheia de dentes vendo novela e filme, ou indo ao teatro vendo peça cabeça onde o autor branco, classe média alta de esquerda quer dá aulinha de como ele deve fazer a revolução. Ele percebe que a revolução está no seu verdadeiro olhar sobre a sua própria História. Eu acho que a gente não estava muito preparado pra isso não. Por isso essa inércia toda nesse momento em que esse panorama tão estimulante está sendo vilipendiado.
Em primeiro lugar, a poesia não era o meu grande estilo, a minha linguagem. Eu gostava muito de escrever histórias. Até que eu comecei a fazer Teatro. Surgiu a galera do CEP 20000, a Elisa Lucinda com o espetáculo O Semelhante; na Baixada Fluminense surgia o Desmaio Publiko. Aí eu pensei… Eu também sei fazer isso. Somado a isso tudo veio a descoberta da Literatura de Clarice Lispector e a Poesia de Fernando Pessoa. Aí a minha cabeça apaixonadamente pirou. A minha poesia é muito imagética, então ela é a consequência de tudo que vejo, penso, imagino, assisto e sinto. E os saraus e os slams me proporcionaram expressar a grande teatralidade que há nela.
A minha poesia é muito imagética, então ela é a consequência de tudo que vejo, penso, imagino, assisto e sinto.
A minha poesia pode tudo e pode nada ao mesmo tempo
A história dessa guerra é uma história de avanços e recuos, às vezes a poesia se faz de amiga do Dragão da Maldade, propondo uma trégua pra de repente sem menos esperar puxar-lhe o tapete. E nós poetas somos os soldados sempre apostos com a caneta na mão e o verso na cabeça.
Caboclo Roceiro - Patativa do Assaré
Márcio Rufino lê “Caboclo Roceiro”, do poeta cearense Patativa do Assaré Estação Nordeste foi um evento realizado no Metrô do Rio de Janeiro, no dia 09 de novembro de 2013, como parte da campanha “Paixão de Ler”. O evento homenageou um poeta de cada um dos nove estados da região Nordeste do Brasil, recitados pelas vozes de poetas atuais, dentre os quais Ana B. , Augusto Guimaraens e Márcio Rufino, nomes bastante presentes na cena cultural carioca
JUNTOS
O Coletivo Cria Poética é um coletivo criado com o intuito de divulgar e disseminar a cultura de poesia e pensamentos pelo Rio de Janeiro a fora, com poetas de todas as zonas e todos os estilos!
#PoesiaPreta /Alvorada Preta
Marcio Rufino é #PoesiaPreta!✊🏿 Rufino é um dos talentosos poetas cariocas que estão participando do nosso ciclo de formação em poesia falada. Confira a poesia “Aurora Preta”, no vídeo de Fernando Salinas da GRITO FILMES, referência no spoken word e poesia marginal.
nesse fim de festa
mesmo que isso não faça diferença.
É triste saber que houve os vencidos
nesses longos momentos vendidos
nestes grandes ventos medidos
dos mares do sul.
Mas danço com o ritmo da música.
Me olhando no espelho.
Controlando o grito do corpo.
Observando o movimento dos membros.
Busco em mim o que chamam sensual.
Trago em mim o que chamam natural.
Que toda vida tem,
que de todo ser humano provem.
Solto o meu corpo pela imensa sala colorida de luzes de boate.
E o carnaval enxerga que o meu mal
não é nada perante essa mísera discórdia.
Sinto ainda ver cães, gatos e ratos
comendo na mesma mesa e no mesmo prato.
Rindo de nossas tragédias.
Chorando de nossas comédias.
Mostrarei o que guardava oculto em minha máscara negra,
pois sempre procurei em mim esse lindo beija-flor azul
dentro do horrível urubu que é o meu rosto ao nascer do sol.
Fui seqüestrado pela vida
e resgatado pela razão.
Não sou romântico, mas realista.
Não sou lúdico, mas otimista.
Lindo é saber que, apesar do desencontro,
fazemos todos nós parte do desequilibrado equilíbrio do meio ambiente.
E a morte do silêncio que vive entre nós
desgovernaria a harmonia existente,
destruiria a paz vigente
no fantástico universo da minha ilusão.
Agora vamos nos dar as mãos
e entrar nesta imensa roda
que o amor fez para nos unir.
E que minha luz clarividencie todo lado obscuro.
E que o mundo todo caiba em cima do muro
sem tamanho nem largura que é o coração de Deus.
Que venha uma chuva de água doce.
Tão doce como minha falsa lágrima
que corre deitada na pele
riscando o rosto e desaguando na boca.
Viva a redenção da vida.
Viva o sorriso da meretriz.
Viva a cicatriz da ferida.
O que a gente quer é final feliz.
Eu dei um beijo na cabeça do bicho
Perplexado com meu ato
Passei a refletir num tom apressado
O que esse beijo me podia causar.
Uma virose louca
Devido o grande contato
De seu pêlo em minha boca?
Uma alergia infeliz
Devido a proximidade
De seu aroma em meu nariz?
Uma doença estranha
Devido o toque
De meus dedos em suas entranhas?
Amedrontado com meu ato
Deixo que o eixo do medo
Supere a ternura do beijo.
Bicho que não pediu beijo,
Porque deixo que o meu preconceito
Atravesse como uma espada de aço o meu peito?
Beijo; ato de amor.
Beijo; para aliviar a dor.
Bicho; criatura intrigante.
Bicho; ser interessante.
Beijo; sinal de carinho.
Beijo; derrubando os espinhos.
Bicho; animal consciente.
Bicho; quase igual a gente.
Não sabendo o que se passava na cabeça do bicho,
Pensei que sabia o que se passava na minha.
Mas sabendo que o bicho tudo tinha a ver com isso,
Passei a responder com a razão o que o coração não adivinha.
Oh, Senhor! Deus do Universo!
Por tudo que há de mais imerso,
Não permita que eu jogue meus lábios no lixo
Pois na minha cabeça
Ainda beija
O beijo que eu dei
Na cabeça do bicho.
Marcio Rufino
Quando o mundo foi feito
eu era anjo mandado para cá
para ajudar na arrumação das coisas.
Depois virei cliente mesopotâmico.
Depois virei escravo egípcio.
Depois virei efebo ateniense.
Depois virei cortesã romana.
Depois virei serva feudal.
Depois virei comerciante renascentista.
Depois virei escravo jeje nagô industrial.
Hoje sou tudo isso ainda querendo ser artista.
Sem casa, sem dinheiro.
Só a vontade, só o sonho,
só o devaneio, só a loucura.
Mas nesse circo neoliberal
que faz de mim palhaço,
eu navego em mares cansados.
Cansados de serem navegados.
Mas nesse picadeiro aquecidamente globalizado,
eu não quero me cubrir em bandeiras;
me esconder em ideologias;
me enganar em filosofias,
pois eu sei que só digo coisas que já foram ditas
e só escrevo coisas que já foram escritas.
Marcio Rufino
Nunca fui homem de adentrar matas virgens,
Mas em mim já cresceram todas as matas devastadas possíveis
Matas essas que me amedrontavam quando menino
E hoje as enfrento com tesão e ousadia de caçador feroz-felino.
Será que o menino em mim morreu?
Ou será que nasceu outro menino?
Será que ele ficou valente?
Será que ele descobriu que a terra
Não passa de enrosco de paraíso com inferno na gente?
Ele dança como vaga-lume;
Canta como cigarra;
Se excita com as picadas das mutucas;
Sente o atrevimento dos instintos das árvores e suas diretrizes;
Se alimenta vorazmente de carne crua, capim e raízes;
Se banha na embriaguez do curso das águas;
Se compadece do canto triste das aves notívagas…
E suas mágoas;
Se perde nas pegadas tortuosas e confusas do Curupira.
Ele deseja em sua pele verde tocar.
Acariciar seus cabelos de fogo sem medo de se queimar.
Sim.
Sua urbanidade o agride, enoja e desencanta.
A postura? O emprego? O papel na sociedade?
Tudo mentira!
Ele quer ser o poderoso Nada!
Ele quer ser a brisa da Mata!
Melhor amigo dos macacos.
Ele quer montar na garupa do porco do mato.
E dentro dos olhos guardiões do Curupira,
Conjugar na oração da língua da natureza
O seu mais incisivo e efêmero hiato.
Marcio Rufino