Caco Pontes e os microchips para o apocalipse
Caco Pontes, vanguarda em sua abordagem plural da experimentação poética, lança uma edição ilustrada de "A Ordem dos Fatores Ocultos". Cada exemplar disponibiliza um cartão de memória que contém a versão sonorizada dos poemas, em referência aos “microchips do apocalipse”.
Experimentar é uma coisa que você levou a sério. Consegue comparar como foi a experiência com cinema, poesia falada, escrita, arte visual e música e como cada uma foi acontecendo na sua trajetória?
Muito boa a abordagem feita no início da pergunta, começar assim já instiga. Tem uma frase do Roberto Piva, pra quem dedico (junto de Tula Pilar) esse livro em fase de lançamento, onde ele diz assim: “não acredito em poeta experimental que não tenha vida experimental”. Uma provocação daquelas que (des)norteiam o tipo de coisa que eu e outras gentes temos feito, no risco total, num misto curioso entre levar a sério (como traz o enunciado aí) e o contrário disto, não ter seriedade também, sabotar o racional, dar vazão pro delírio… E por sinal, “a experiência”, é o título do primeiro capítulo de “A Ordem dos Fatores Ocultos“, essa nova edição que to colocando na praça. Quanto ao cinema, a oralidade, a escrita, a imagem, música e sonorização, de fato me trazem estímulos consideráveis na trajetória e quando comecei a entender que isto é manifestação poética, que vai direto no campo sensorial, proporcionando reflexão, inspiração, pensamento crítico, tudo passou a fazer mais sentido, mesmo com toda a crise existencial que insiste no peito. Os transbordamentos de linguagem me interessam totalmente, quando uma coisa adentra a outra e ora confunde as definições anacrônicas neste tempo que já abre para as múltiplas possibilidades do atuar livremente. Sigo incorporando essas bordas, em busca da diversidade e expansão criativa, com algum caos ordenado, né?
Tem muita gente boa de ontem, hoje e que ainda está por vir, pois a engrenagem não pára, é um ciclo constante que conecta o ancestral ao pós-moderno.
Caco Pontes é poeta e multi-artista. Autor dos livros O incrível acordo entre o silêncio e o alter ego (Annablume, 2008), Sensacionalíssimo (Kazuá, 2013), Sociedade Vertical (Hedra, 2014) e A ordem dos Fatores Ocultos (garupa, 2019). Integrou o coletivo Poesia Maloqueirista, onde realizou diversas atividades interdisciplinares e editou a Revista Não Funciona, com difusão de cerca de 20.000 exemplares por todo o país. Publicou em antologias e coletâneas, participou de festivais literários no Brasil e no exterior (Argentina, Chile e México). Como performer já se apresentou ao lado de Arrigo Barnabé, Ava, BNegão, Karina Buhr, Siba, Juçara Marçal, Edgar, KL Jay, Elisa Lucinda e Lirinha. Produziu e lançou discos dos projetos literomusicais Baião de Spokens, Stereotupi e Verso Móvel Sound System. Criou performance-show para a Mostra Errática, programação que integrou a exposição “Tom Zé 80 Anos”, na Caixa Cultural SP. Concebeu e dirigiu o espetáculo “diaspOralidade”, reunindo artistas de Angola, Congo, Cuba e Síria (Museu do Ipiranga). Tem composições em parceria com Alice Ruiz, Gustavo Galo, Jonathan Silva e Projetonave.
A poesia falada vem ganhando muita força. Ecoam as vozes dos Maloqueiristas até hoje. Como você vê a cena contemporânea e o que tem te chamado atenção?
Fico bem satisfeito em notar que a poesia falada vem ganhando espaço e afirmando representatividades, saber que a Poesia Maloqueirista fez escola, assim como outros saraus, coletivos e movimentos que são referência pro nosso contexto marginal-periférico-suburbano-fronteiriço-continental. Na cena atual gosto de quem experimenta sem medo do ridículo, não no sentido da forçação de barra e necessidade de aparecer a qualquer custo, ou mero exibicionismo na pretensa busca por fama efêmera, mas se lançando ao mergulho no universo da palavra com todas as suas nuances, camadas, tanto na intervenção seca e direta, sem uso de aparatos, quanto na utilização de recursos, sejam analógicos, digitais, ou gambiarras (o que mais faço em meus experimentos, inclusive). Tem muita gente boa de ontem, hoje e que ainda está por vir, pois a engrenagem não pára, é um ciclo constante que conecta o ancestral ao pós-moderno.
Caco Pontes, qual é a proposta do poeta? Ou poeta não tem propósito?
O poeta sempre sonhou ser astronauta, mas ficou na saudade de um tempo que ainda não veio.
A poesia irá derrotar o dragão da maldade?
o dragão da maldade
cospe fogo pelas ventas
cada vez que intenta
capturar a princesa
o santo guerreiro
se lança com sua espada
penetrando a fera
que adere à prática da guerra
– qual gregos se amando –
deixando a donzela
a ver navios e novelas
Fala de como pintam suas tarefas auto impostas, os projetos. Quais são suas referências?
To sempre no loop pesquisa-criação-produção, desejando algum ócio (cada vez mais difícil, o que se torna luxo nos raros momentos que acontece). Tive que aprender na marra práticas de auto-gestão para poder realizar os próprios projetos, isto se deu especialmente na minha atuação junto ao coletivo Poesia Maloqueirista por mais de uma década, aliando também militância e adesão aos movimentos de lutas sociais e por políticas públicas, segmentos que eu não me identificava e considerava maçantes, por partilhar de ideias alinhadas à correntes anárquicas, mas que com o tempo fui percebendo a importância em defender. Todavia, a principal influência nas realizações, quando dei conta que este era meu caminho (sem volta), sempre foi o bom e velho “faça você mesmo” e desde então venho persistindo, na tentativa e erro, ou ainda “a contribuição milionária de todos os erros” (quiçá, alguns acertos).
É bom ser poeta? Fale um pouco de “A Ordem dos Fatores Ocultos”.
Sinto que não fui eu quem escolheu a poesia, ela que me escolheu, por ofício e tudo, pois queria mesmo era ser ator de cinema, mas curiosamente como poeta até consigo alcançar o que parecia improvável, inclusive a sétima arte. A poesia enquanto estilo de vida e vocação tem algo de maldição e ao mesmo tempo é libertadora. Aquela coisa de forças complementares, luz e sombra, tenho até um poeminha sobre: não existe yin sem yang/independente do estado de espírito/e da ordem dos fatores. Já tem um bom tempinho que fiz esses versos, nunca impressos até o momento, talvez daí venha o título do livro novo, que na verdade surgiu sob encomenda de um poeta parceiro há meia dúzia de anos atrás, para criar um volume que seria publicado via heterônimo de um personagem mítico e, como se tratava de projeto secreto, me ocorreu enveredar pelo que seria a suposta fase ocultista dele, possibilitando investigar essa temática xamânica/alquímica que eu já sacava em brux@s literários que faziam a minha cabeça, vale lembrar que me deixei levar ao desvio por culpa do Jim Morrison, o resto foi (in)consequência…