Daniel Minchoni

Uma entrevista com Daniel Minchoni, 7° Dan de Poejitsu, poeta-palhaço, experimentador da palavra e formador da cultura no Brasil. Artista de vanguarda, criou e toca eventos de poesia em São Paulo como: "O menor Slam do Mundo", "O sarau do burro", "Rachão poético", "Cabaré revoltaire" e " A peça Literatura Ostentação".

Daniel minchoni é sola no graffiti, na poesia esporte clube, no jovens escribas, e sarau do burro, burruído, selo do burro, nolombo e nolombinhocabaret revoltaire, menor slam do mundo, rachão poético, slam do corpo e phala’cia. seus livros são escolha o título, iapois poisiaouvivendocarnevais, nos be gods de olavo e ex-porro, poema sugo. editor das antologias doburro e menor slam. 

Sua criatividade e sensibilidade transbordam nas diferentes modalidades da expressão poética que explora, seja em vídeo, show, livro ou performance. Juntos, seu talento e militância o colocam na vanguarda do movimento artístico paulistano, realizando eventos e oficinas que também dialogam com o público infantil e falantes de LIBRAS. 

Ficamos especialmente felizes em publicar a entrevista com este artista em movimento, agitado cultural, poeta foguete, multiplicador que se divide. 

Seguem as respostas verdade sincera beleza magia e/ou as repostas exercício de tradução ou transcriação para teóricocratas, decodificadores e afins .

Chacal invocou a memória de Torquato para dizer que os poetas precisavam ser medula e osso da poesia, fazendo o texto, o livro e produzindo a festa. Você faz vídeos, filmes, livros, performance, oficinas e saraus, bate escanteio e corre pra cabecear. Como enxerga a cena contemporânea, quais os maiores desafios e suas expectativas como agitador cultural?

parafraseio o saudoso mestre pastinha: “Capoeira é muito mais do que uma luta, capoeira é ritmo, é música, é malandragem, é poesia, é um jogo, é religião. (…) A capoeira é tudo que a boca come”. poesia é tudo o que a capoeira é. logo, 

 

POESIA É TUDO QUE A BOCA COME. 

 

CADA LUGAR NA SUA COISA 

Sérgio Sampaio 

 

Um livro de poesia na gaveta não adianta nada 

Lugar de poesia é na calçada 

Lugar de quadro é na exposição 

Lugar de música é no rádio 

 

Ator se vê no palco e na televisão 

O peixe é no mar 

Lugar de samba enredo é no asfalto 

Lugar de samba enredo é no asfalto 

 

Aonde vai o pé, arrasta o salto 

Lugar de samba enredo é no asfalto 

Aonde a pé vai, se gasta a sola 

Lugar de samba enredo é na escola 

a poesia ainda vai ser o esporte nacional. digo mais, ainda vai ser paixão nacional. diria, inclusive que já é. é que não nos damos conta de quanto somos impregnados da poesia nesse paraíso das melancolias nonsenses. seja na nossa canção popular, nas frases de para choque, nos gritos de manifestações, nos pixos mais românticos, nos encantos de estádios, nas prosódias livres das feiras, na ginga dos brincantes, nos lereados do povo e também nos saraus e slams. então ou o poeta veste os seus parangolés poéticos e vai pra rua dançar no meio do povo ou não tem acordo gramatical que dê jeito ou torne autoridade. o livro é lindo. mas é uma das formas de firmar a poesia nesse mundo. todas outras são bem-vindas, porque somos antes de tudo, tudo, somos pré gutenberguianos, somos pré caraíbas também. está na memória de nossos corpos, mesmo nos brancos, a dinâmica de estar em volta da fogueira, contando histórias. são nossos antepassados falando em nós, mas também somos nós antepassados falando nas gerações vindouras. sempre foi assim e sempre será. o tesão pela história o suporte é o que menos importa. tudo é desculpa pra estar junto e contar história. de resto é pau no gato e truques de ilusionismo, porque sedução é o nosso apelido. temos que seduzir o povo novamente pra poesia. fazer ele se dar conta de como gosta e de como usa diariamente esse artefato em suas rotinas. antes de mais nada, poesia é tudo isso, diga-se de passagem. tentaram adestrar colocando no rótulo literatura, mas a cartinha que a poesia tirou no ar engloba 24 territórios à sua escolha. a poesia está mais perto de todas as outras artes que propriamente da literatura. está ali, irmanada com o todo e o tudo, o fazer o sentir. logo, sem limites, breve breve teremos ela de novo em seu posto derradeiro: esporte, glória e paixão nacional. eu sou só mais uma peça nesse tabuleiro. e posso dizer que tem muitas peças importantes no atual cenário, muitas pessoas amigas minha, sou porque somos. 

Experimentação é como mormente se nomeia a tentativa do artista em inovar na forma, fugindo do convencional em busca de originalidade. Em que fontes você busca inspiração? Há pesquisa no seu processo criativo?

“EXPERIMENTAR O EXPERIMENTAL”  

WALLY SALOMÃO 

 

“viver ainda vai me matar. 

viver é uma benesse. 

um biscoito da sorte recheio stress. 

viver é travessia irregular que se desvia para fora de ser e de lugar 

não é causa nem efeito e pra travessia não há jeito. 

atravessar é fatal 

só há um leito de lama e lodo no final 

caí nessa travessia 

sequer me perguntaram se eu queria 

e de repente me vem poesia 

querendo correr uma maratona por dia 

 

tico e teco 

tico e teco 

tic e tac 

tic e tac 

tique e toc 

tic e tac 

“tic tac o tempo vai passando e a gente aqui sentado no banquinho conversando” 

 

viver ainda vai me matar. 

viver é uma benesse. 

um biscoito da sorte recheio stress. 

viver é travessia irregular que se desvia para fora de ser e de lugar 

não é causa nem efeito e pra travessia não há jeito. 

atravessar é fatal 

só há um leito de lama e lodo no final 

caí nessa travessia 

sequer me perguntaram se eu queria 

e de repente me vem poesia 

querendo correr uma maratona por dia 

 

não sei o que me quer a poesia, 

essa mulher que me fantasia e me consome 

só sei que ela está a me levar e não sei o lugar onde ela se esconde 

e se a sinto roçar 

quando vou olhar ela já me some 

esqueço até meu nome 

é minha menina levada, danada, 

estou sempre a perguntar sua morada 

e ela me diz 

muito maleducada: 

não te direi 

pois devo te lembrar 

que és apenas um rapaz 

um aprendiz 

de mim 

não sabes nada 

 

eita poesia danada.” 

 

joão xavier 

tudo pra mim é material criativo. adminto, mas juro. heheheheehheheh. a lado bonito da coisa, pra mim, é a invenção. logo, o que vier é lucro. eu poderia citar inúmeras fontes, mas sinceramente, mesmo eu, mundaninho que sou, acredito estarmos em nome de algo maior, que não sabemos explicar e talvez a busca eterna pela explicação seja o grande segredo, o mistério. de toda forma, mesmo sem saber de onde vem e como buscamos, fazemos parte desse jogo e temos que estar sempre atentos pra pegar nossas partes na brincadeira. então gosto de ver tudo e sempre estar de olho em tudo que estão produzindo. isso estressa? cria neuras e parentescos desnecessários? confesso que acho que sim, mas só sei ser assim. 

São Paulo é uma megalópole que atrai pessoas do mundo todo e pouca gente se dá conta de que dá pra encontrar quase tudo nela. O que você encontrou na cidade, qual sua relação com sua terra natal e se é verdade que ainda existe amor em SP?

SÃO SÃO 

São são são. Alô teste. Alô, são. 

São são. Alô teste. Alô, são. 

São muitos loucos espalhados na cidade 

São meninos 

São Harry porres e pedras de crack 

São são são. Alô teste. Alô, são. 

São sons estridentes incríveis 

Alô teste. Alô, são. 

São muitos santos espalhados 

São meninos 

São santos amaros, são são mateus, são são Miguel 

São santas também, é claro. São santas cruzes 

São itamares nunca dantes navegados 

São aves pretas assump são 

São são são. Alô teste. Alô, são. 

São são. Alô teste. Alô, são. 

São muitos loucos espalhados na cidade 

São meninos 

São Harry potters e pedras de crack 

São são são. Alô teste. Alô, são. 

São especulação 

São problemas demais 

São pobremas de conjugação 

 

Coração, ah coração. Coração, ah coração 

 

São são. Alô teste. Alô, são. 

São muitos loucos espalhados na cidade 

São meninos 

São Harry potters e pedras de crack 

São são são. Alô teste. Alô, são. 

São são Paulo, em que igrejas hospícias? Em que hospícios igrejas? 

São são. Alô teste. Alô, são. 

São especulação. São negação. 

São são são. Alô teste. Alô, são. 

 

São são paulo, meu amor amor 

São são Paulo quanta dor 

 

São muitos tons foras dos zé 

São zés foras do tom. 

São são são são são são 

 

Rezei pra sampaulo 

Que horas são? 

Já perdi o trem das onze. 

 

 

SAMPAULO REVISITED 

fumava como se traduzisse todas as conquistas da ciência, da grécia antiga e da mesopotamia 

como se entortasse garfos com o pensamento positivo: ráááááááááááá 

 

sugava a fumaça como se entendesse nietzche, freud, itamar assumpção ou mário brós 

como se tratasse qualquer marcador como jão 

 

chupava bolinhas de fumaça como como se seduzisse cânceres ou efizemas pulmonares 

mas aí, jogava a bituca de cigarro no chão e voltava ser a mesma executivazinha de merda, avenida paulista horário do almoço.  

 

OMO SAPIENS 

olhando para a caixa de sabão 

rompo o lacre do paradigma da evolução 

o (h)omo sapiens insiste em pagar sempre o mesmo mico 

o (h)omo macaquiens insiste em pagar sempre o mesmo sapo 

trabalha trabalha trabalha 6 da manhã ônibus lotado 

aperto sufoco suvaco aff graças a deus trabalho trabalho 

stress stress oh yeah stress fast food fast fode câncer 

trabalho stress stress oh yeah 8 da noite ônibus lotado 

aperto sufoco suvaco aff graças a deus casa família fast foda 

ronc ronc zzzz trabalho trabalho 6 da manhã ônibus 

lotado paerto. todo santo dia. 

sapiemos que somos homos. mas sapiemos se somos sapiens? 

sapiemos que somos homos. mas sapiemos se somos sapiens? 

(sapia que o sapiá sapia assupiá?) 

existe amor em todo lugar que eu estou. “eu sou amor da cabeça aos pés”. a ideia que não existe amor em sp é um bom slogan, mas acho insuficiente. é um achado, mas talvez equivocado. e existe diferença entre estar equivocado e errado, não vejo como incoerente. mas diria o pezão: “Cultura é / O que se planta / Dá!” a coisa mais massa de sampaulo é a cultura pulsante, especialmente em suas periferias. a cultura fora do circuito, embora a do circuito também tenha lindos louros. então, qualidade de vida pra mim, que amo cultura, é isso. sinto falta duma praiazinha e dumas paisagens bonitonas, mas sinto mais falta disso. então vou ficando por aqui, até onde a onda der pé e der onda. 

Entrevistas Contemporâneos  lamaouro Daniel Minchoni: Literatura Ostentação
Entrevistas Contemporâneos  maxresdefault-392x272 Daniel Minchoni: Literatura Ostentação
Entrevistas Contemporâneos  minchoni2 Daniel Minchoni: Literatura Ostentação
Entrevistas Contemporâneos  images-1 Daniel Minchoni: Literatura Ostentação
Entrevistas Contemporâneos  daniel-minchoni-sob-os-holofotes-de-renato-nascimento-1024x683 Daniel Minchoni: Literatura Ostentação
foto de Renato Nascimento

A poesia irá derrotar o Dragão da Maldade?

UM CIDADÃO NAS NUVENS 

Quem falará o que não deve? 

Se os poetas estão de greve? 

querem um pouco de atenção 

reles migalhas do seu pão 

 

Quem colocará fogo na neve? 

Se os poetas estão de greve 

querem um pouco de afeição 

reles migalhas do seu cão 

 

Quem flutuará em plomo leve? 

Se os poetas estão de greve? 

querem um pouco da tensão 

reles migalhas do seu chão 

 

Quem fará do eterno breve? 

Se os poetas estão de greve? 

querem um pouco de aflição 

reles migalhas do seu não 

 

Quem fará o que não deve? 

Se os poetas estão de greve? 

Quem falará o que não breve? 

Se os poetas estão de neve? 

Quem colocará fogo na greve? 

Se os poetas estão de leve? 

Quem flutuará na greve? 

Se os poetas estão de breve? 

 

agora um suinguizinho 

pra chacoalhar os corações 

 

deve breve leve neve 

greve leve neve breve 

breve greve neve leve 

breve greve leve neve 

 

pão não chão cão 

não pão chão não 

cão chão pão chão 

chão chão chão não? 

 

reles migalhas do seu não 

OU

quem deixará os putos putos? 

se as poetes estão de luto? 

querem um pouco de respeito 

reles descansos no seu leito 

 

quem tornará os cultos cultos? 

se os poetas estão de luto? 

querem um pouco de respeito 

reles mamadas de seu peito 

 

quem transformará o luxo em lucho? 

se os paetês estão de luto? 

querem um pouco de respeito 

reles medalhas de seus feitos 

 

quem colherá da muda o mudar? 

se as poetas estão em luta? 

querem um pouco de respeito 

reles conquistas de seus pleitos 

 

quem deixará os putos cultos? 

se os poetas estão de luto? 

quem transformará o culto em lucho? 

se os poetes estão de luto? 

quem tornará o luxo em mudar? 

se os paetês estão em luta? 

quem colherá da muda a lucha? 

se as poetas estão em luta? 

 

culto puto luxo lucho 

culto puto luxo lucho 

luxo lucho luto luta 

luta luta luta luta 

 

luxa lucha lucha cucha 

lucha luta luxa luta 

luto luta luto luta 

luta luta luta luta 

 

peito leito feito pleito 

pleito peito feito leito 

leito feito peito pleito 

feito pleito peito leito 

 

reles migalhas do seu não 

 

A juventude tem sido influenciada pelos encontros de poesia falada. Como você enxerga o futuro da poesia escrita e como acha que ela irá circular? Existe um zine-meme-futuro ou o livro persistirá?

não sei o que me quer a poesia 

nem ela o que quero de mim 

só sei que seguiremos lutando 

até que um de nós encontre seu fim. 

 

acontece que: 

 

ocorre muito de me dizer em atalhos 

mas às vezes palavras me cedem 

trupicões, sintaxes, parafernálias. 

 

ocorre mais de me dizer em ataques 

mas às vezes palavras distoam 

trepeças, catiripapos, descamomilas. 

 

 mas bem sei que:  

 

“quando eu morrer 

se me restar energia 

eu vou voltar 

em forma de microfonia” 

 

dimitri br 

enfim:  

 

Passa passado 

me interessa 

o futuro 

 

SUBTERFÚGIO 
três pequenos pássaros 
entre o que ouso chamar de corpo 
e o que arrisco chamar de alma 

um vermelho cintila 
com penas de apache 
e pernas de centroavante 

um furtacor com asas de fogo, 
olhozarolhos  
e mãos leves de deputado 

um liso e transparente  
como promoção de natal  
ou atendente de telemarketing 

nenhum voa sentido algum 

 

logo, bem sei que:  

 

“Poeta é aquele 
que sabe uma 
maneira maneira 
de fazer de uma 
cascata 
cachoeira” 

 AO PASSO, de pedro rocha [para Chacal] 

o futuro da poesia é o presente. é o agora. e o o agora é na ágora. o presente está bombando. embora entendedores não entenderão. 

insisto: poesia esporte, orgulho, glória e paixão nacional. e isso é digno de estar na bandeira nacional. mais é exercício de futurologia, e digo mais. mais não digo. estamos trabalhando pelo futuro e posso garantir: servimos bem pra ser vil sempre. 

são são - daniel minchoni
as pessoas portam cicatrizes com elegância
Poeta: Daniel Minchoni