Pagu, militante e musa da poesia brasileira
Patrícia Rehder Galvão foi escritora, poeta, tradutora, jornalista e desenhista. Seu romance, Parque Industrial, foi publicado sob o pseudônimo de Mara Lobo. Militante do partido comunista brasileiro foi a primeira mulher a ser presa por motivos políticos no Brasil República. Ao longo de sua vida foram mais 23 prisões, a mais longa delas perdurando por 5 anos.
(Fósforos de segurança)
Fósforos de segurança
Indústrias tais
Fatais.
Isso veio hoje numa pequena caixa
Que achei demasiado cretina
Porque além de toda essa história
De São Paulo – Brasil
Dava indicações do nome da fábrica.
Que eu não vou dizer
Porque afinal o meu mister não é dizer
Nome de indústria
Que não gosto nem um pouquinho
De publicidade
A não ser que
Isso tudo venha com um nome de família
Instituição abalizada
Que atrapalha a vida de quem nada quer saber
Com ela.
Ela, ela, ela.
Hoje me falaram em virtude
Tudo muito rito, muito rígido
Com coisinhas assim mais ou menos
Sentimentais.
Tranças faziam balanças
Nas grandes trepadeiras
Estávamos todos por conta de.
Nascinaturos espalhavam moedinhas
Evidentemente estavam bricando
Pois evidentemente, nos tempos atuais
Quem espalha moedas
Ou é louco, ou é porque
está brincando mesmo.
O que irritou foi o porque
Um Peixe
(Clique para ler)
Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.
Nothing
Pagu/Patricia Rehder Galvão
Publicado n’A Tribuna, Santos/SP, em 23/09/1962
Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um pára-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.
Vida e obra
Militante do partido comunista brasileiro e a primeira mulher a ser presa no país por motivos políticos, Pagu também era considerada musa do movimento modernista. Ao longo de sua vida foram mais 23 prisões, a mais longa delas perdurando por 5 anos. Foi escritora, poeta, tradutora, jornalista, desenhista, e, principalmente, uma militante comunista. Seu romance Parque Industrial foi publicado sob o pseudônimo de Mara Lobo sendo o primeiro romance proletário da literatura brasileira, onde retrata os excluídos da sociedade paulistana e a desigualdade na metrópole.
Pagu também é considerada uma das responsáveis por trazer a soja para o Brasil. Numa viagem, como conta Raul Bopp na biografia de Augusto de Campos, Patrícia fez amizade com a madame Takahashi, esposa do diretor da South Manchurian Railway. Com a influência da amiga, Pagu tinha bom acesso ao palácio, onde conversava informalmente com o imperador.
“Quando Pagu me narrou o ambiente de familiaridade, pedi que procurasse arranjar algumas sementes selecionadas de soja”, contou Bopp a Campos.
Após a aventura oriental, entrou na Europa de trem pela Transiberiana, passou por Moscou e chegou a Paris. Na França, passou a frequentar alguns cursos na Sorbonne e filiou-se ao Partido Comunista Francês.
Foi pega pela polícia com documentos falsos, o que lhe garantiu mais uma prisão. Acabou liberada após a intervenção do embaixador brasileiro Souza Dantas junto ao governo francês.
Mas o cerco do governo Vargas aos comunistas estava mais apertado do que nunca. Na primeira metade da década de 1930 o cenário político brasileiro é balançado por dois extremos opostos, a Ação Integralista, de inspiração nazifascista, e o Partido Comunista.
Patrícia Rehder Galvão nasceu em 1910, em São João da Boa Vista, São Paulo. Romancista, tradutora, jornalista e professora. Aos três, muda-se com a família para São Paulo e vai residir no bairro industrial do Brás. Conclui os estudos na Escola Normal em 1928, ao mesmo tempo que estuda literatura e arte dramática no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
Aos 19 anos, conhece o escritor Oswald de Andrade (1890-1954), com quem iria se casar em 1930, e a artista plástica Tarsila do Amaral (1886-1973), ambos envolvidos com o movimento antropofágico. Pagu, nome criado pelo amigo e escritor Raul Bopp (1898-1984), tem um de seus desenhos publicado na Revista de Antropofagia.
Em 1931 ingressa no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e afasta-se de casa para seguir as atividades do partido. Com a ajuda financeira de Oswald, publica Parque Industrial, em 1933, o primeiro romance brasileiro a ter operários como protagonistas, assinado com o pseudônimo Mara Lobo. Pagu viaja por diversos países como correspondente dos jornais Correio da Manhã, Diário de Notícias e Diário da Noite.
No Brasil, por causa de suas atividades políticas fica presa de 1935 a 1940, é vítima de torturas e tem problemas com a saúde. Ao sair da prisão, separada de Oswald, casa-se com o jornalista e escritor Geraldo Ferraz (1905-1979). Com ele, escreve o romance A Famosa Revista, publicado em 1945, e trabalha em diversos jornais, até ambos tomarem a frente do Suplemento Literário do Diário de S. Paulo, para o qual Pagu realiza traduções de autores estrangeiros e escreve crônicas na seção Cor Local.
Ao sair da prisão, em 1940, rompeu com o Partido Comunista, passando a defender um socialismo de linha trotskista. Integrou a redação de A Vanguarda Socialista junto com seu marido Geraldo Ferraz, o crítico de arte Mário Pedrosa, Hilcar Leite e Edmundo Moniz.
Casou novamente com Geraldo Ferraz, e desta união nasceu seu segundo filho, Geraldo Galvão Ferraz, em 18 de junho de 1941. Passou a morar com os dois filhos e o marido. Nessa mesma época viaja à China.
Em 1945, lançou novo romance, A Famosa Revista, escrito em parceria com o marido Geraldo Ferraz. Tentou, sem sucesso, uma vaga de deputada estadual nas eleições de 1950.
Em 1952 frequentou a Escola de Arte Dramática de São Paulo, levando seus espetáculos a Santos. Ligada ao teatro de vanguarda, apresentou sua tradução de A Cantora Careca de Eugène Ionesco. Traduziu e dirigiu Fando e Liz de Fernando Arrabal, numa montagem amadora na qual estreava o jovem ator Plínio Marcos. Também traduziu poemas de Guillaume Apollinaire.
"O tempo mais feliz de minha vida, em que eu tinha fé - os erros, os desentendimentos, o abrigo, a aventura, tudo aquilo que se foi, quando havia um ideal para se empunhar uma bandeira... ? a vida que flui, a arte que permanece, e entre o que passa e o que fica, os homens traçam a sua grandeza e a sua dignidade. Falar desses personagens é evocar, nessa paisagem, num tempo intensamente vivido, as esperanças, a bondade, o amor, o esforço generoso que nunca buscou recompensa.”
Conhecida como grande animadora cultural em Santos, lá passou a residir com o marido e os dois filhos. Conviveu e incentivou jovens talentos santistas que apenas começavam suas carreiras, como o ator e dramaturgo Plínio Marcos e o compositor Gilberto Mendes. Dedicou-se em especial ao teatro, particularmente no incentivo a grupos amadores.
Morre em 1962 e deixa vários escritos inéditos, que começam a ser organizados e publicados posteriormente, como os contos policiais reunidos em Safra Macabra, originalmente escritos para a revista Detective, editada por Nelson Rodrigues (1912-1980), com o pseudônimo King Shelter.
Por 75 anos, ficaram guardados os desenhos do Caderno de Croquis de Pagu. Foram reunidos e publicados em 2004, produção de estreia de Patrícia Galvão, inédita e desconhecida, traduz plena efervescência antropofágica e a juventude de seus 19 e 20 anos.