Poemas de Fábio Rabelo Rodrigues

Fábio Rabelo Rodrigues nasceu em 1987, em Goiânia, e mudou-se em 1991 paraFortaleza, onde mora. Formou-se em Direito e atua como advogado. Publicou poesia econto em coletâneas, e em 2016 recebeu menção honrosa na Bolsa Hugo de CarvalhoRamos. Estreou com o recém-publicado O som canhestro (7Letras, 2023).

dos métodos

 

eu não tenho método,

tenho fúria e ímpeto e o sol preso às costas.

levo no corpo os próprios ossos.

os meus ossos.

uma parte que ainda que me dói,

o suor frio, a tensão e o nervo.

nada mais a carregar, senão o corpo.

toda a bagagem.

mercado

no corredor de um mercado um corpo.
no corredor do mercado um corpo.
no corredor um corpo por quatro horas
aguardou coberto entre caixas e 4 guarda-sois
que a ambulância chegasse.
por 4 horas um corpo teve apenas caixas e guarda-sois
para protegê-lo do público.
o mercado não parou.

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Entre lembranças e ausências, entre notícias e distâncias, o poeta vê o mundo com um olhar muito próprio: com fúria e ímpeto e o sol preso às costas, reconstrói uma infância perto do mar, observa o cotidiano como cena de guerra, carrega o próprio corpo como única bagagem e apaga a noite para virar o sonho de um gato. Os recortes do calendário gregoriano contam os meses nos ossos das mãos, como se ali coubesse o tempo, entre os altos e baixos da existência. Fábio Rabelo Rodrigues nos apresenta O som canhestro com a destreza de um artista atento às ironias e descompassos do mundo que nos rodeia, que não se furta a falar do horror e da fome mas também é capaz de trazer uma receita de pão de queijo como poema, como se a cura de toda a fome do mundo pudesse caber na voz do poeta, e por que não? – afinal é também no som e na fúria das palavras que se muda o mundo, a cada verso, a cada livro.

cotidiano

aceita-se às segundas-feiras que se possa atrasar,

além de esquecer a chave dos correios e a comida do almoço.

na hora de comer vai-se à zona de armistício.

sabe-se por jornal que tudo corre mal.

e em muitos lugares não há tempo hábil para erguer os olhos. 

procuramos uma tarefa menos árdua de pensar no mundo.

às seis recolhemos todos os esforços, quando, de volta à casa,

deve-se alimentar o gato, dormir

e sonhar.

 

acabamento

 

um poema não cresce sobre estruturas,

não advém do nome preciso que a palavra invoca,

e que, no entanto, significa morte.

não é a pequenina luz, não ilumina, não brilha,

e o que nele mobiliza não faz mover nem faz pensar.

sua voz não corresponde a parte alguma,

nem é a minha voz e nem quer sê-la.

um poema não representa ninguém, e sequer deve representar.

no vazio que habita só lhe cabe esgotar o mar,

beber o mar, se houver mar à vista.

os ossos

 

o poema não se faz no esqueleto,

antes tem a espinha crescendo desordenada

no oco do osso,

na camada de gesso que cobre a parede.

depois tem as ondas,

o traço da nau ao longe raspando a superfície

e o teu rosto frio que cabe na areia.

no poema escrito surram-se as imagens com o pano molhado das chuvas.

e tudo o que a mão escreve são as imagens surradas com o pano das chuvas.

deflagrado o cansaço, 

dentre as imagens, há o nome da mãe,

o calor de seus braços

e a loucura arrastada por toda a adolescência.

todas as formas enchidas na boca não servem

para acumular o mundo

nem para passar o fio da linha no horizonte

nem para salvar o estômago

preso às voltas com o calendário.

o poema, que não se faz no esqueleto,

adormece na cabeça da criança imaginada.