- A poesia de Amélia Dalomba
- Ernesto Moamba, o Filho da África
- Coleção História Geral da África, produzida pela UNESCO.
- Noémia de Sousa: “Mãe dos Poetas Moçambicanos”
- Site disponibiliza textos de pensadores e pensadoras africanas em português
- Memórias de um momento presente
- Há trinta e cinco anos despertando consciências: Museu Afro-brasileiro da UFBA
- Museu Afro Brasil: memória, história e arte
- Poemas de Thainicy Delgado
- Poemas de Armando Maria
Sangue Negro, Noémia de Sousa
Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares foi poeta, tradutora, jornalista e militante política. Nasceu em 1926, em Catembe, vila no litoral Sul de Moçambique, banhada pelo Oceano Índico, na baía de Maputo, bem em frente à capital de Moçambique.
Na década de 1940 viveu numa casa de madeira e zinco no bairro da Mafalala. Ali escreveu poemas que se tornariam símbolos nacionalistas africanos como “Deixa passar o meu povo”.
Só saiu do bairro por motivos políticos, em 1949.
Entre 1951 e 1964 viveu em Lisboa e trabalhou como tradutora. Em consequência da sua posição política, de oposição ao Estado Novo, teve de exilar-se em Paris. Lá, trabalhou no consulado de Marrocos e adopta o pseudônimo de Vera Micaia.
Poeta, jornalista de agências de notícias internacionais, viajou por toda a África durante as lutas pela independência de vários países.
Noémia de Sousa é conhecida como “Mãe dos poetas moçambicanos” por sua grande influência. Autora de densa obra poética que representa a resistência da mulher africana, seu único livro, Sangue negro, é composto por 46 poemas, escritos entre 1948 e 1951.
Marcelino Freire lê Súplica da escritora moçambicana Noémia de Sousa.
Sua obra está dispersa por muitos jornais e revistas. Colaborou em publicações como Mensagem (CEI), Mensagem (Luanda), Itinerário, Notícias do Bloqueio (Porto, 1959), O Brado Africano, Moçambique 58; Vértice (Coimbra) e Sul (Brasil).
Em 2001, a Associação dos Escritores Moçambicanos publicou Sangue Negro, que reuniu a poesia da autora.
Faleceu em 2002, em Cascais, Portugal.
Sua poesia está também representada na antologia de poesia moçambicana Nunca Mais é Sábado, organizada por Nelson Saúte.
Foi editada no Brasil pela Editora Kapulana.
A edição brasileira manteve a estrutura original das edições moçambicanas e conta com ilustrações de Mariana Fujisawa, prefácio da Profa. Dra. Carmen Tindó, estudos de Fátima Mendonça, Francisco Noa e Nelson Saúte, além de depoimentos de amigos, companheiros, leitores apaixonados pela obra de Noémia de Sousa.
A Editora Kapulana agradeceu a todos que ajudaram a concretizar este belíssimo trabalho na Pré-Balada Literária de Salvador e na Balada Literária de São Paulo e, em especial, ao escritor Marcelino Freire, que tornou possível o lançamento do livro Sangue negro, de Noémia de Sousa, com muito carinho e dedicação.
Súplica
Tirem-nos tudo,
mas deixem-nos a música!
Tirem-nos a terra em que nascemos,
onde crescemos
e onde descobrimos pela primeira vez
que o mundo é assim:
um labirinto de xadrez…
Tirem-nos a luz do sol que nos aquece,
a tua lírica de xingombela
nas noites mulatas
da selva moçambicana
(essa lua que nos semeou no coração
a poesia que encontramos na vida)
tirem-nos a palhota ̶ humilde cubata
onde vivemos e amamos,
tirem-nos a machamba que nos dá o pão,
tirem-nos o calor de lume
(que nos é quase tudo)
̶ mas não nos tirem a música!
Podem desterrar-nos,
levar-nos
para longes terras,
vender-nos como mercadoria,
acorrentar-nos
à terra, do sol à lua e da lua ao sol,
mas seremos sempre livres
se nos deixarem a música!
Que onde estiver nossa canção
mesmo escravos, senhores seremos;
e mesmo mortos, viveremos.
E no nosso lamento escravo
estará a terra onde nascemos,
a luz do nosso sol,
a lua dos xingombelas,
o calor do lume,
a palhota onde vivemos,
a machamba que nos dá o pão!
E tudo será novamente nosso,
ainda que cadeias nos pés
e azorrague no dorso…
E o nosso queixume
será uma libertação
derramada em nosso canto!
̶ Por isso pedimos,
de joelhos pedimos:
Tirem-nos tudo…
mas não nos tirem a vida,
não nos levem a música!
Dos que vem para mudar a geografia das coisas
A plataforma Mbenga congrega jovens jornalistas culturais moçambicanos com o pressuposto de difundir a cultura. Esta iniciativa tem a intenção de exaltar a arte feita dentro e fora de Moçambique. Criada por jovens apaixonados pela expressão artística o blog faz divulgação e reflexão crítica.
O debate “A Mafalala como berço da Consciência de Identidade Moçambicana através das Artes por parte da Comunidade Negra” deixa claro o grande legado de Noémia de Sousa em sua militância.
(Clique na imagem para acessar)
Deixe meu povo passar
Noite morna de Moçambique
e sons longínquos de marimba chegam até mim
— certos e constantes —
vindos nem eu sei donde.
Em minha casa de madeira e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar…
Mas as vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Marian cantam para mim
spirituals negros de Harlem.
«Let my people go»
— oh deixa passar o meu povo,
deixa passar o meu povo —,
dizem.
E eu abro os olhos e já não posso dormir.
Dentro de mim soam-me Anderson e Paul
e não são doces vozes de embalo.
«Let my people go».
e sons longínquos de marimba chegam até mim
— certos e constantes —
vindos nem eu sei donde.
Em minha casa de madeira e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar…
Mas as vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Marian cantam para mim
spirituals negros de Harlem.
«Let my people go»
— oh deixa passar o meu povo,
deixa passar o meu povo —,
dizem.
E eu abro os olhos e já não posso dormir.
Dentro de mim soam-me Anderson e Paul
e não são doces vozes de embalo.
«Let my people go».
Nervosamente,
sento-me à mesa e escrevo…
(Dentro de mim,
deixa passar o meu povo,
«oh let my people go…»
E já não sou mais que instrumento
do meu sangue em turbilhão
com Marian me ajudando
com sua voz profunda — minha Irmã.
sento-me à mesa e escrevo…
(Dentro de mim,
deixa passar o meu povo,
«oh let my people go…»
E já não sou mais que instrumento
do meu sangue em turbilhão
com Marian me ajudando
com sua voz profunda — minha Irmã.
Escrevo…
Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar.
Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado
e revoltas, dores, humilhações,
tatuando de negro o virgem papel branco.
E Paulo, que não conheço
mas é do mesmo sangue da mesma seiva amada de Moçambique,
e misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças,
algodoais, e meu inesquecível companheiro branco,
e Zé — meu irrião — e Saul,
e tu, Amigo de doce olhar azul,
pegando na minha mão e me obrigando a escrever
com o fel que me vem da revolta.
Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro,
enquanto escrevo, noite adiante,
com Marian e Robeson vigiando pelo olho lumírioso do rádio
— «let my people go».
oh let my people go.
Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar.
Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado
e revoltas, dores, humilhações,
tatuando de negro o virgem papel branco.
E Paulo, que não conheço
mas é do mesmo sangue da mesma seiva amada de Moçambique,
e misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças,
algodoais, e meu inesquecível companheiro branco,
e Zé — meu irrião — e Saul,
e tu, Amigo de doce olhar azul,
pegando na minha mão e me obrigando a escrever
com o fel que me vem da revolta.
Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro,
enquanto escrevo, noite adiante,
com Marian e Robeson vigiando pelo olho lumírioso do rádio
— «let my people go».
oh let my people go.
E enquanto me vierem de Harlem
vozes de lamentação
e os meus vultos familiares me visitarem
em longas noites de insónia,
não poderei deixar-me embalar pela música fútil
das valsas de Strauss.
Escreverei, escreverei,
com Robeson e Marian gritando comigo:
«Let my people go»
vozes de lamentação
e os meus vultos familiares me visitarem
em longas noites de insónia,
não poderei deixar-me embalar pela música fútil
das valsas de Strauss.
Escreverei, escreverei,
com Robeson e Marian gritando comigo:
«Let my people go»
oh let my people go.